Não é piada. Em Quebec, Canadá, mais de 700 médicos iniciaram um movimento por redução de salário. Você não leu errado: eles não querem ganhar mais e, sim, menos. “Nós, médicos de Quebec que acreditamos num sistema público forte, nos opomos às recentes negociações por aumento de salário iniciadas por nossas federações médicas”, diz o texto de uma petição online divulgada por eles no último dia 25 de fevereiro. 

De tão inverossímil, tomo a liberdade de reproduzir aqui a reportagem do Washington Post que traz os detalhes:

“O grupo de médicos disse que não poderia aceitar, com a consciência tranquila, aumentos de salário enquanto as condições de trabalho permanecessem difíceis para alguns de seus colegas – incluindo enfermeiros e atendentes – e enquanto pacientes não têm acesso aos serviços exigidos por causa de cortes drásticos (no orçamento) nos últimos anos.

“Um sindicato de enfermeiros de Quebec tem pressionado o governo nos últimos meses a enfrentar o problema da falta de mão-de-obra, além de defender uma lei que reduza o número de pacientes que cada enfermeiro pode cuidar. O sindicato informou que seus filiados vêm sendo submetidos a crescente sobrecarga. Em toda a província têm ocorrido paralisações da categoria, em defesa de melhores condições de trabalho.

“Em janeiro, a situação ganhou destaque no Facebook, quando uma enfermeira chamada Émilie Ricard postou uma foto sua, em lágrimas, após uma noite de trabalho estafante. Émilie contou ter sido a única naquela semana a atender nada menos do que 70 pacientes por noite em sua seção; mostrava-se tão cansada que não conseguia dormir devido a cãibras nas pernas. “Esse é o quadro atual da enfermagem”, escreveu, criticando a ministra da Saúde da província de Quebec, que recentemente elogiou recentes mudanças no sistema de atendimento local.

“Não sei onde a senhora está obtendo essas informações, mas certamente não é a realidade dos enfermeiros”, escreveu Émilie, acrescentando mais tarde: ‘Sinto-me destruída pela minha profissão, envergonhada com a pobreza dos serviços que consigo oferecer. Meu sistema de saúde está doente, está morrendo’. O post teve mais de 55 mil compartilhamentos.

“Enquanto isso, em fevereiro a federação dos médicos de Quebec obteve acordo com o governo para aumentar os salários da categoria em 1,4%, aumentando os gastos públicos de US$ 4,7 para US$ 5,4 bilhões até 2023, segundo a rede de TV local CBC. O salário médio dos médicos em Quebec já é considerado alto: US$ 403.537 por ano, contra US$ 367.154 na província vizinha de Ontario.

“Na petição online recusando o aumento, o grupo de médicos insatisfeitos diz que seus salários parecem imunes aos cortes no orçamento. ‘Ao contrário do que diz o primeiro-ministro, acreditamos que existe uma maneira de redistribuir os recursos do sistema de saúde para promover o bem-estar da população e atender as necessidades dos pacientes’. A petição termina com um pedido para que o aumento seja cancelado e os valores remanejados para melhorar o sistema como um todo.

“A resposta do ministro da Saúde, Gaetán Barrette, foi lacônica: ‘Se eles acham que estando ganhando demais, que deixem o dinheiro sobre a mesa. Garanto que faremos bom uso’, afirmou à CBC. 

Para nós aqui no Terceiro Mundo, fica a pergunta: quantos médicos brasileiros que ganham acima da média – e pode-se acrescentar ainda funcionários da burocracia estatal – estarão dispostos a abrir mão de seus aumentos de salário para aumentar a quantidade de enfermeiros e atendentes e a qualidade geral dos serviços? E quantos ministros e secretários da Saúde estão preocupados com a questão? 

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