Nos primórdios da infância, quando ouvíamos falar de alguns crimes, raramente eles eram associados à política. Tive medo, por exemplo, ao saber de figuras como Tenório Cavalcanti, chefão do crime na Baixada Fluminense durante anos e acusado de dezenas de homicídios e chacinas, que os mais jovens puderam conhecer através do filme O Homem da Capa Preta, com José Wilker no papel do “homem”. Alguns episódios marcaram, como um incêndio criminoso num circo cheio de crianças, em Niterói, no qual morreram cerca de 2.500 pessoas. Ou o caso Dana de Tefé, viúva milionária morta por seu próprio advogado, Leopoldo Heitor.

Por razões controvertidas, o Rio de Janeiro foi palco dessas e de muitas outras histórias que entraram para a crônica policial. Olhando pelo retrovisor, porém, parecem crimes menores diante do cenário atual. De novo, a Cidade que já foi maravilhosa é o centro das atenções, mas com um repugnante histórico de banalização da violência. Esta semana, o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em plena vigência de uma intervenção militar no estado, foi a principal manchete.

Especialistas debatem pela mídia as causas e possíveis saídas para o problema, e certamente o governo e os interventores querem, precisam, solucionar o crime o mais rápido possível – até porque são inevitáveis as repercussões na eleição que se aproxima. Em meio a tantos palpites de curiosos, lembrei de uma frase do falecido senador americano Hubert Humphrey: “Todo mundo tem direito a dar sua opinião. Agora, ser levado a sério é outra coisa”. Só que há também a exploração moral e política do crime, direita e esquerda tentando faturar sobre a tragédia, e até essa aberração de querer culpar a vereadora por seu próprio assassinato.

Democracia, bem ou mal, é assim. Pior ainda na era das redes sociais, onde a maioria vomita comentários e denúncias sem nem saber de onde vieram. Marielle Franco entra para uma triste galeria de cadáveres simbólicos, como o seringalista Chico Mendes, a missionária Dorothy Stang e a juíza Patricia Acioli. Suas mortes não foram mais importantes do que outras de homens e mulheres que lutaram por mais justiça nesta sociedade tão injusta. Mas tornaram-se referência para quem não aceita a violência como “coisa da vida” e ponto.

É difícil acreditar que a reação de tanta gente após anos de violência descontrolada seja simplesmente “fazer o quê”? Sinceramente, já não sei se isso é pior ou melhor do que “ela teve o que merecia”, “isso é que dá defender bandido” e outras expressões da estupidez geral. Num país com recordes de assassinatos que devem fazer corar habitantes da Síria ou do Afeganistão, soa bizarro defender “mais violência” para combater a que já temos. 

Quando mataram Patricia Acioli, em 2011, a repercussão foi tão intensa quanto agora, e 11 policiais foram presos, com penas de até 36 anos, algo até então inédito no Rio. A morte da juíza, portanto, não ficou impune. Mas a associação entre criminosos e policiais, da qual as milícias são uma repulsiva consequência, continuou provocando mortes e mais mortes, inclusive entre policiais que não pertencem à chamada “banda podre”. Quem quiser saber aonde isso vai dar pode assistir à série Narcos. A Colômbia de Pablo Escobar é aqui, hoje.

Talvez haja alguns presos pelo atentado contra a vereadora. Mas o mal maior, que também precisa ser condenado e eliminado da cena, está em achar que tudo isso é normal. É onde a estupidez humana atinge seu auge.

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