O debate sobre a regulamentação das redes sociais finalmente chegou ao Brasil, e está acontecendo no palco adequado: o Congresso Nacional. Outros países já aprovaram legislação de combate à desinformação criminosa, alguns até de forma radical, e está mesmo na hora da sociedade brasileira decidir, através de seus representantes, o que deseja: uma terra de ninguém onde cada um fala (e escreve) o que bem entende, ou um território regulado, com regras e punições a quem se excede.
Curioso que só agora se esteja discutindo no Brasil a responsabilização das plataformas, algo que já é consenso mundo afora. Países como Italia, Alemanha, Reino Unido e Austrália já criaram leis punindo Google e Facebook por permitirem publicações criminosas. Nos EUA, onde a legislação é estadual, vários estados já entraram com medidas restritivas – embora tudo deva acabar na Corte Suprema que, seguindo a tradição da 1a Emenda, pode anular esses atos.
Desde o famoso escândalo da Cambridge Analytica, em 2016, que comentamos aqui, já se tornaram flagrantes os perigos da tal “liberdade de expressão” defendida por alguns grupos. O Facebook perdeu muito em credibilidade (além de bilhões de dólares) por permitir aquele esquema, que consagrou o termo fake news. Não por acaso, os governos Trump e Bolsonaro foram campeões nessa prática nefasta, passando a ser copiados por outros grupos políticos, à direita e à esquerda.
Regulação ou censura? Opinião ou crime?
Não sei o que sairá das atuais discussões sobre o PL das Fake News que está em tramitação no Congresso. As plataformas, Google à frente com uma inédita agressividade que compromete até seu consagrado mecanismo de buscas, usam o surrado argumento da “censura” toda vez que alguém fala em “regulação”. É o mesmo argumento dos grupos que mais se utilizam das fake news para atacar adversários, mentir, chantagear e, claro, ganhar eleições.
Mas, do outro lado, o cenário também é preocupante. Parlamentares chegaram a propor que o projeto inclua uma espécie de franquia para que eles, e só eles, continuem usando as redes como quiserem. Como diz o colunista Demétrio Magnoli, na Folha de São Paulo, se eu escrevo uma mentira ou cometo um crime de homofobia ou racismo numa coluna, o jornal ou revista é processado; as plataformas querem se livrar desse risco, como se nada tivessem a ver com o que publicam.
Outro colunista – Pedro Dória, no Estadão – lembra que a legislação atual foi concebida nos anos 1990, quando as plataformas eram apenas startups sem nenhum poder e o mundo inteiro achava legal protegê-las. Google, Facebook, YouTube, Twitter, WhatsApp, Tok Tok etc. estão hoje entre as maiores empresas do mundo, e se dão ao luxo de escolher o que vai ou não ser publicado.
Se esse poderio descomunal não for controlado, as pessoas que hoje reclamam das fake news – e dos inúmeros crimes cometidos através delas – sentirão saudades dos tempos em que tudo era brincadeirinha de startup.
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