Esta 4a feira 03/05 marca o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, data comemorativa criada pela UNESCO em 1993. O intuito era alertar sobre práticas como censura, ameaças, intimidações e violência contra jornalistas e órgãos de imprensa, no mundo inteiro. Como se sabe, a simples instituição da data não aliviou muito as coisas: segundo a própria UNESCO, entre 2006 e 2019 nada menos do que 1.200 profissionais de mídia foram assassinados no cumprimento de seu trabalho.

Cerca de 10 anos atrás, publicávamos neste blog um manifesto escrito pelos jornalistas do jornal The City Paper, da cidade de Nashville (EUA): confiram aqui. Era a última edição do jornal, que durante 13 anos cobriu as notícias da cidade. Todos os jornalistas foram demitidos porque os donos, com a queda na publicidade, não conseguiam mais manter a empresa.

No manifesto de despedida, eles aceitavam que aquela era a realidade e que o jornal não tinha mesmo como continuar. Mas alertavam: toda cidade, toda comunidade, precisa de veículos de mídia, sejam jornais, revistas, emissoras de rádio, TV, sites, blogs etc. Se esses veículos forem independentes e levarem seu trabalho a sério, saberão monitorar as atividades dos governantes e dos poderosos em geral, para manter a população bem informada sobre como está sendo gasto o dinheiro pago em impostos. Se esses órgãos de imprensa não fizerem direito seu trabalho, a população atenta se encarregará de asfixiá-los deixando de comprar e de ler.

Jornalismo de qualidade grátis, para quem não pode pagar

Me lembrei dessa história hoje ao ler (na verdade, reler) a Carta do Editor do jornal inglês The Guardian comentando o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Premido pela concorrência das mídias online e pela queda no faturamento publicitário, o Guardian – um dos mais tradicionais periódicos do mundo, fundado em 1821 – decidiu em 2016 deixar de cobrar pelo seu conteúdo online, que passou a ser gratuito.

Para cobrir as despesas, foi criado um sistema de “contribuições voluntárias”: cada leitor pode doar quanto quiser, a qualquer momento, para ajudar a manter o jornal. E pode parar de doar também quando bem entender. Segundo o jornal, são hoje mais 1,5 milhão de leitores, em vários países, que contribuem dessa maneira, representando mais de 50% do faturamento da empresa.

Graças a isso, diz o editor executivo Mark Rice-Oxley, o Guardian consegue manter não apenas sua saúde financeira como sua independência editorial, com um jornalismo de altíssimo nível. No Reino Unido, ao que se saiba, ainda não houve episódios de perseguição, ameaças, muito menos assassinato de jornalistas – nem do Guardian nem de qualquer outro veículo. E, se o exemplo é válido num país de Primeiro Mundo, que criou e mantém a mais antiga democracia do planeta, vale mais ainda para países como o Brasil e sua democracia titubeante.

Quanto mais veículos de mídia, melhor

Mas é impossível não relacionar os três fatos: o manifesto dos jornalistas de Nashville, a independência do Guardian e o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Esta precisa, mais do que nunca, ser livre e independente. Quanto mais veículos de mídia, melhor para a sociedade: serão mais jornalistas cumprindo o papel de fiscalizar os poderosos, eleitos ou não, que sempre dispõem de inúmeros meios para se autopromover.

Se este ou aquele veículo não lhe agrada, mude para outro. E, se puder, ajude a financiar os que cumprem essa nobre missão. Talvez não tenha percebido, mas você depende deles para preservar a liberdade que é seu bem maior.

Para quem se interessar, reproduzo abaixo a Carta do Editor do Guardian. É um pouco longa, mas vale a pena ler. E (re)recomendo a leitura do post de dez anos atrás com o manifesto de despedida dos jornalistas de Nashville.

 

IMPRENSA LIVRE, MUNDO MAIS JUSTO

Mark Rice-Oxley

Presos, assassinados, censurados, banidos, bloqueados, demitidos, diminuídos, jornalistas estão sob ataque no mundo inteiro, e a imprensa livre está em perigo.

Mais de 80% dos habitantes do planeta vivem hoje em países onde a imprensa livre é ameaçada, seja por opressão dos governos, violência, censura, problemas financeiros, administradores nefastos ou quadrilhas de criminosos.
E ainda nem chegamos aos desafios trazidos pela inteligência artificial e o ChatGPT.
E isso é importante. A missão principal da mídia independente – que é questionar aqueles que são ou estão poderosos – é fundamental para construir uma sociedade melhor. Deixá-la morrer significa permitir que homens perigosos como Putin, Erdogan e Trump espalhem duas versões tóxicas da realidade.
Informação confiável é um bem público. Mas as evidências de declínio estão por todo lado. Na Colômbia, uma jornalista investigativa é assassinada. Um correspondente em Moscou é preso sob pretexto de “espionagem”. Uma nova lei na Turquia ameaça aumentar a quantidade de jornalistas presos simplesmente porque estão realizando o seu trabalho.
Na Amazônia, um jornalista que atuava como correspondente do Guardian é brutalmente assassinado. Na Rússia e em Belarus, profissionais de mídia independentes são forçados ao exílio para preservar suas publicações, e talvez suas próprias vidas.
Na Índia, a polícia invade os escritórios da BBC após um documentário que desagradou o governo. No México, multiplicam-se os ataques físicos a jornalistas. A mídia livre de Hong Kong está quase totalmente desmantelada. Governos da Polônia e da Hungria utilizam vários meios de pressão sobre empresas de mídia que lhes fazem críticas.
Em nações mais ricas, as pressões são mais – mas não apenas – de caráter financeiro, como aconteceu recentemente no Reino Unido, Austrália e Estados Unidos. 
O que precisa ser feito? Amanhã (03 de maio) é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, e esse infelizmente não é um motivo de comemoração. A última década não tem sido boa para a liberdade de imprensa. Mas, se existe um raio de esperança, é este: para todos nós, nunca foi tão fácil ajudar. Assinar, contribuir, doar ou qualquer outro meio de suportar o trabalho de repórteres e editores que desejam contar a verdade ao seu público, cobrar os que estão no poder e enfrentar a opressão e a censura.
Essa é a base do modelo financeiro do Guardian. E vem funcionando bem, graças à generosidade dos leitores. Sete anos atrás, tomamos a decisão de oferecer jornalismo de graça para todo mundo. E pedir àqueles que puderem para contribuir financeiramente. 
Isso, além de garantir a leitura do jornal a pessoas que não teriam meios financeiros para comprá-lo, significa que seus repórteres e editores não se sujeitam a pressões de ninguém. Nem de anunciantes, políticos ou de qualquer pessoa ou empresa poderosa.

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