boston-tragedyUm dos mitos da época atual é o de que os seres humanos deixaram de ser apenas consumidores de conteúdo, passando a ser também produtores. A infinidade de fotos e vídeos espalhados pela rede, produzidos até com um celular em pontos remotos do planeta ou – pior – em ambientes íntimos, com ou sem autorização, confirma que, na prática, “qualquer um” pode gerar conteúdo próprio e distribuí-lo como bem entender.

Mas, o que me dá direito de chamar esse fenômeno de “mito”? Segundo os bons dicionários, mito é algo que não existe de verdade, mas em que muita gente acredita baseada em suposições ou mesmo em informações falsas. Assim nasceu, por exemplo, a mitologia grega: nenhum daqueles deuses existiu de verdade, mas milhões de pessoas acreditaram neles (muitos, parece, continuam acreditando). A meu ver, essa história de vídeos amadores serem classificados como “jornalismo online” passa do ponto quando se quer fazer crer que não há diferença entre som e imagem captados por alguém que estudou e treinou para essa atividade e alguém que simplesmente pegou sua câmera e saiu gravando isto ou aquilo.

Bem, é a minha opinião, e sobre ela, claro, há controvérsias. Na semana passada, esse debate voltou à tona, raivoso, a propósito do atentado em Boston, onde morreram três pessoas e houve dezenas de feridos. Sabe-se lá por que, a maioria dos sites, emissoras de TV e jornais brasileiros dedicaram ao episódio uma atenção exagerada, maior, por exemplo, do que quando um maluco metralhou crianças numa escola do Rio de Janeiro, dois anos atrás. Quase todos caíram, pela enésima vez, na armadilha de copiar (ou simplesmente retransmitir, sem dar crédito) o conteúdo produzido pela mídia americana. Resultado: no momento em que a CNN mostrou imagens de jovens com mochila nas costas apontando-os como “suspeitos”, as emissoras daqui fizeram o mesmo; idem quando o site do jornal New York Post, de Nova York, estampou a chamada de que os mortos eram 12, e não três.

No Brasil, a discussão – como sempre paupérrima – ficou mais em torno dessa mania de copiar a imprensa estrangeira. Mas a questão é muito mais profunda. No momento em que a tecnologia obriga os veículos de mídia a se reinventarem, vários sites, revistas e TVs de outros países se questionam se os tais “video-reporters” não estariam, de fato, ocupando o lugar dos jornalistas tradicionais. Seria isso justo? Correto? Inevitável? Como lembrou bem o experiente jornalista Mark Little, no site Story.com (leiam aqui o texto em português), as imagens terríveis que alguém capta (e leva ao ar, via YouTube) ao testemunhar uma tragédia como a de Boston não têm comparação, em termos de impacto, com aquelas que os telejornais exibem, editadas por alguém que não estava presente ao acontecimento.

No entanto, isso é bem diferente de afirmar que o público, assistindo a esse tipo de vídeo, está bem informado sobre o que houve. Para tanto, é indispensável que o jornalista – ou “qualquer um” que tenha essa capacidade – analise todo o material, selecione o que é relevante, organize as ideias e transforme tudo naquilo que os americanos chamam, apropriadamente, de história (e aqui traduzimos como reportagem). Isso mesmo, é assim que se escreve a história, com “testemunhas” que não queiram apenas aparecer no YouTube.

Seja como for, o artigo é brilhante e merece ser lido e relido com atenção.

1 thought on “Todo mundo virou jornalista?

  1. Temos o cinema comercial e o amador — feito por gente muito bem-intencionada mas não profissional. Temos curandeiros, também bem-intencionado mas sem o expertise dos verdadeiros profissionais médicos. Temos pedreiros que erguem casas sem nenhum plano e arquitetos, que pensam em todos os fundamentos. Temos filósofos, que realmente pensam na nossa vida e em possíveis resoluções, e temos os blogueiros. Exagerei? Talvez. Mas o fundamento é que há profissionais e amadores — é o que acontece com jornalistas.

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