Peço licença aos leitores para enveredar por uma seara paralela à tecnologia que comentamos aqui com mais frequência: a situação da mídia, particularmente os efeitos das mídias digitais sobre nós todos.

O ser humano consome mídia o tempo todo, mesmo às vezes sem perceber, e esse consumo continuado lhe provoca alterações no pensamento e no comportamento. Para nós, que trabalhamos com comunicação, os efeitos são mais complexos.

Além de sermos, como todo mundo, impactados pelo teor das mensagens que nos chegam (um acidente grave, a morte de alguém conhecido, a ameaça de uma guerra, um golpe de Estado, o relato de um crime, um filme ou vídeo que acabamos de assistir e adoramos…), nos conta muito a “qualidade” da mensagem. Isso inclui texto, imagens, descrição, relevância, contextualização, como o assunto foi apurado e outros aspectos do trabalho do comunicador.

 

Relações celebridade x fãs

Nem preciso detalhar como tudo isso vem virando de cabeça pra baixo com os avanços da IA. Mais até, como as inovações tecnológicas estão sendo usadas “contra” nós, usuários de mídia. Vejam o caso dessa chamada que pesquei dias atrás num grande portal de notícias: “Noivado de Taylor Swift causa comoção global”.

A cantora americana se tornou megastar explorando habilmente o conceito de ‘comunicação parassocial’, que define as relações entre celebridades e seus admiradores e/ou seguidores. Se você (como eu) não é fã da moça, não adianta ignorar: nesse tipo de relação, tudo, absolutamente tudo que o artista faz é importante – pode ser também um jogador de futebol, um padre ou pastor da hora, até mesmo um político (vejam o perigo…).

Este artigo explica bem o fenômeno. Trata-se de uma engrenagem psicossocial que a celebridade, com suas assessorias de marketing, manipulam o quanto podem. Não sei se dá para culpá-los, até porque, já dizia Nelson Rodrigues, “os idiotas vão tomar conta do mundo não pela capacidade, mas pela quantidade – eles são muitos”.

 

Manada de cliques e likes

O que me intriga é como a mídia em geral acompanha esses movimentos sem questionar e, ao contrário, incentivando e amplificando. O noivado da cantora – nem era casamento… – esteve nas últimas semanas em praticamente todos os sites, não apenas os de fofocas. É a busca insana pelos cliques e likes, no chamado “efeito manada”, que não poupa recorrer a mentiras e sensacionalismo barato. Com raras exceções, a “qualidade” da informação, a que me referi no 3º parágrafo, é o que menos importa.

Tragicamente, é assim que a maioria dos sites pratica o que chamam de “jornalismo” hoje em dia. Recorro aqui a outro escritor famoso, o uruguaio Eduardo Galeano, para descrever a situação: “Vivemos num mundo onde o funeral importa mais que o morto, o casamento mais que o amor e o físico mais que o intelecto. Vivemos na cultura da embalagem que despreza o conteúdo”.

O leitor pode, enfim, perguntar: o que fazer? A maioria das pessoas é simplesmente “usada” nesse processo, mas aquelas que ainda conservam alguns neurônios talvez possam a aprender a se disciplinar (nunca é tarde). Além de escolher melhor onde buscam suas informações, ajudaria muito fugir das redes sociais, ou pelo menos reduzir seu uso ao absolutamente indispensável. E jamais compartilhar conteúdos como os descritos acima. E redobrar os esforços para manter hábitos saudáveis de leitura (neste link, há diversas publicações interessantes, com acesso gratuito).

É mais ou menos como ajudar a salvar o planeta: se você cuidar bem do próprio lixo e cultivar modos de vida saudáveis, já estará dando uma excelente contribuição.

FOTO: LinkedIn/Gislaine Righi (gerada por IA)

 

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige o site HT & CASA DIGITAL. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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