Por João Luiz Mauad*
Ainda no início de agosto, quando do lançamento do Plano Brasil Maior, já era possível imaginar as reais intenções do governo e apaniguados em termos de “política industrial”. Embora o objetivo oficial do plano fosse “aumentar a competitividade da indústria nacional, a partir do incentivo à inovação tecnológica e à agregação de valor”, tudo mais fazia crer que iríamos mesmo descambar para velhas políticas protecionistas, que, na prática, são exatamente o oposto do que normalmente chamamos de competitividade.
Dentre os vários sinais embutidos no escopo do plano, um era clamoroso: a nomeação de 14 representantes da dita sociedade civil para compor o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que será o “nível superior de aconselhamento institucional do Plano”. Entre os empossados, estavam empresários, sindicalistas e presidentes de entidades de classe, porém, sugestivamente, não havia um representante sequer do grupo mais interessado: os consumidores (porque pagam a conta).
Pois bem, foram necessários apenas 45 dias para que o governo cedesse ao forte lobby e resolvesse aumentar as alíquotas do IPI para veículos importados, decisão que o jornal inglês “Financial Times” avaliou como possível início de uma guerra comercial. Pensando bem, esta talvez seja mesmo a definição mais adequada para uma decisão que foge completamente à lógica econômica mais elementar. Resta saber quem serão os vencedores e os perdedores.
Durante as guerras – não as metafóricas, mas as reais -, a primeira coisa que os exércitos procuram fazer é inutilizar as linhas de suprimento do inimigo. É absurdo, portanto, que em tempos de paz os nossos próprios governos façam exatamente aquilo que um eventual inimigo faria em tempo de guerra: obstruir a livre circulação de mercadorias.
A prosperidade de uma nação se mede não pelo dinheiro em circulação, mas pela quantidade de produtos e de serviços disponíveis para consumo, a preços acessíveis. Quanto mais abundante for o mercado, não importa a proveniência dos bens, maior será o conforto dos cidadãos. O comércio em geral é uma consequência lógica dos processos de especialização e divisão do trabalho. Quanto mais amplo for este processo, melhor para todo mundo. O fim de toda a atividade econômica é o consumo. O trabalho, portanto, é apenas o meio utilizado para alcançarmos aquele fim.
O foco da política econômica no trabalho e na produção, e não no consumo, está na raiz da maioria dos problemas econômicos criados pela intervenção dos governos na economia. É a oferta que deve estar voltada para as necessidades e anseios do consumidor, e não o inverso. Fazer do consumidor um mero instrumento para beneficiar empresas é estupidez.
A malfadada política nacionalista, apelidada de “substituição de importações”, executada no passado através de reservas de mercado, cotas e tarifas de importação, controles de câmbio e desvalorizações periódicas da moeda, foi a principal responsável pelo retardamento técnico da nossa indústria. Progresso tecnológico exige investimentos maciços em pesquisa e desenvolvimento, fato que só ocorre em ambientes competitivos, onde as empresas brigam incessantemente pelas menores fatias do mercado, vale dizer, para satisfazer o consumidor. A lei de reserva de mercado para a informática ainda é o melhor exemplo de como esse tipo de política é contraproducente.
Ademais, a própria premissa de que se estaria preservando empregos domésticos através do aumento de tarifas alfandegárias é falsa, pois o dinheiro gasto a mais por um automóvel, para benefício de algumas poucas empresas, deixará de irrigar tanto a poupança (geradora de novos investimentos) quanto o consumo de outros bens e serviços – cuja produção gera empregos para outras categorias de trabalhadores.
Em resumo, a ação do governo acarretará os seguintes resultados: transferência forçada de renda dos consumidores para meia dúzia de empresários; proteção de uma indústria ineficiente; manutenção de alguns empregos num determinado setor, em detrimento de outros tantos em outros setores; redução de novos investimentos.
Será que a boa política econômica deve incentivar a escassez e a carestia, no lugar de facilitar a abundância e os preços baixos? Qual é a racionalidade dessas leis, que operam dentro de uma lógica perversa segundo a qual todos nós (consumidores) devemos ser forçados a sustentar empresas nacionais cujo maior “mérito” é dispor de um lobby agressivo e muito bem articulado?
*O autor é administrador de empresas.
Texto publicado em O Globo, em 23/09/2011