Por Yasuo Tanakura e Tomohiro Otsuki*
Sir Howard Stringer nunca consegue ficar parado em sua cadeira de Chief Executive Officer da Sony. Para cuidar de todos os negócios do grupo, ele está sempre em trânsito, entre Japão, Estados Unidos, Europa e onde mais for necessário. Jornalista de formação, ele entrou na Sony Corporation onze anos atrás, e há três anos foi indicado chairman e CEO; em abril último, acrescentou o título de “presidente” a suas atribuições. Conversamos com ele sobre o que pensa do futuro da Sony e como a empresa está enfrentando a atual recessão econômica, que não tem paralelo na História.
P – Muitos dizem que esta é a maior recessão do século. O que diz a respeito?
R – Certamente é a pior que já experimentei, e não consigo prever quanto irá durar. Os economistas não parecem ter nada útil a dizer a respeito, até porque não tiveram a capacidade de prever o que aconteceria com os bancos. E há ainda o problema do iene, tão valorizado que está destruindo a competitividade das exportações japonesas. Os fabricantes de eletrônicos têm que reduzir seus custos para não falir. Há quem diga que para sair dessa crise é preciso investir na inovação, mas a recessão afetou de tal forma as receitas e os lucros que somente a inovação não irá adiantar muito. Na verdade, a recessão não é a única fonte de problemas. Os produtos das empresas coreanas, chinesas e taiwanesas custam menos. E estão derrubando a rentabilidade das empresas no Japão. Esta é uma tendência que não irá mudar no futuro. Se o preço de um produto muda muito, ninguém irá comprá-lo, e não conseguimos implantar nenhuma inovação a menos que esse produto seja um grande sucesso. Existem vários problemas complicados, como o corte de funcionários temporários e a terceirização de certas linhas de produção. São questões que nós – a direção da Sony, na qual me incluo – teremos que resolver. No entanto, estou longe de ser pessimista, porque uma crise é também uma oportunidade. Acho que esta é uma chance de ouro para a indústria eletrônica japonesa recuperar seu dinamismo. Para a Sony, isso significa que hoje é muito mais fácil as pessoas entenderem que nossa estrutura de custos é muito alta, e que precisamos mudar, como o mundo inteiro está mudando.
P- Será que os produtos estão se transformando em meras commodities? Qual deve ser o foco dos engenheiros?
R – Bem, acho que hoje é muito mais difícil criar um novo conceito de produto, como foi o Walkman. Os TVs, por exemplo, oferecem muito mais cores e você pode até pendurá-los na parede, mas é preciso ver até que ponto poderão evoluir em termos de qualidade de imagem. Olhando de um outro ponto de vista, sim, há muito a evoluir. Os jovens hoje não assistem tanta televisão. Meu filho de 16 anos, por exemplo, quase nunca assiste junto com o resto da família, a não ser alguns eventos esportivos. Em vez disso, ele passa a maior parte de seu tempo livre se comunicando através de sites de relacionamento, como o Facebook. Está claro que os hábitos dos consumidores estão mudando, e isso indica quais devem ser os próximos passos na evolução dos TVs. Jamais iremos conquistar de novo o consumidor oferecendo apenas melhor imagem e resolução mais alta. Desenvolvemos uma tecnologia incrível, e totalmente nova, para o PlayStation 3 (PS3), mas o custo foi alto. Agora, adotamos uma política diferente: transformar o PS3 numa plataforma de serviços de web. Estamos atravessando um período de transição. O sucesso do AppleTV pode ser sinal de uma nova tendência.
P – Então, quer dizer que, na sua opinião, o caminho é entender melhor o consumidor?
R – Precisamos nos tornar uma empresa que possa abrir a janela e dizer: “Vejam, não criamos tecnologia só porque adoramos tecnologia. Criamos porque entendemos que nossos clientes são diferentes”. Não podemos mais dizer que estamos certos e nossos clientes estão errados. Não podemos produzir apenas aquilo que queremos. E esta é uma excelente oportunidade para os fabricantes de eletrônicos entenderem melhor os consumidores. Há cinco anos, os produtores de conteúdo eram considerados os reis em nossa indústria. Foi um erro: o rei é o consumidor. Cheguei a essa conclusão viajando pelo mundo afora, mais do que a maioria dos executivos. Os consumidores hoje são muito diferentes do que eram há vinte anos. Não são mais passivos. O surgimento da internet lhes deu poder para ditar como os produtos devem ser usados, e cada vez mais pessoas estão descobrindo novas maneiras de se divertir, por exemplo, criando seus próprios conteúdos. No futuro próximo, uma vasta gama de aparelhos irá se conectar à internet, e temos que pensar como nossos clientes podem gostar de nossos produtos. Acho que a chave para isso é observar os consumidores. Se algum empregado nosso vier me perguntar qual seria o preço razoável para determinado produto, eu diria: “Não pergunte a mim, observe os clientes”. Essa observação pode até nos ajudar a descobrir novos clientes. O Wii, da Nintendo, é um excelente exemplo. Eles não desenvolveram nenhuma tecnologia nova. Simplesmente imaginaram que haveria demanda para algo diferente dos jogos convencionais, e pensaram em como satisfazer demandas diferentes de pessoas com idades diferentes. Conseguiram resultados que o PlayStation 3 não conseguiu… ou seja, geraram lucros a partir do equipamento já existente.
P – Em seu discurso na CES 2009, o sr. disse que as tecnologias abertas são importantes hoje. Isso se baseia nas necessidades dos clientes?
R – Exatamente. Eles recusam qualquer produto que não tenha tecnologia aberta. Principalmente os jovens. Uma boa prova disso foi o fracasso da AOL nos EUA. Quando a internet estava apenas começando, a AOL criou uma base de assinantes oferecendo serviços especiais exclusivos para esses clientes. Pouco tempo depois, os usuários começaram a se rebelar, reclamando que a AOL queria mantê-los presos numa pequena parte do imenso cosmos que é a web. E isso acabou levando à tecnologia aberta. A Sony não levou a sério a tecnologia aberta no passado.
O serviço CONNECT (de downloads musicais) foi um fiasco. Era baseado em OpenMG, uma tecnologia de gerenciamento de direitos autorais (DRM) exclusiva da Sony. Naquela época, pensávamos que assim faríamos mais dinheiro do que com um sistema aberto, porque poderíamos gerenciar os clientes e seus downloads. No entanto, essa estratégia nos criou um problema: os usuários não podiam baixar músicas de nenhum site, exceto aqueles que tinham contrato com a Sony. Se tivéssemos adotado uma plataforma aberta desde o início, provavelmente teríamos derrotado a Apple dentro dos EUA. Houve época em que fazia sentido dividir o mercado com uma tecnologia fechada, e monopolizar esse mercado. Mas essa estratégia não funciona mais. No universo da web, existem milhões de estrelas – milhões de opções que foram criadas a partir de plataformas abertas. A Apple utiliza na loja iTunes um sistema de DRM exclusivo, chamado FairPlay.
Acho que isso dá à Sony uma chance de oferecer algo diferente. Temos que agarrar essa oportunidade antes que a Apple dê suporte a outras plataformas e impeça nossa entrada nesse segmento. Mas entender os consumidores e usar tecnologias abertas não são as únicas coisas importantes. Os preços precisam ser razoáveis e refletir aquilo que o consumidor está disposto a pagar. O atalho para isso é ficar de olho nos custos. Uma interface agradável é tão importante quanto o preço, porque ajuda o usuário a pensar: “Gostei, quero usar isso”. É o consumidor que tem de nos dizer se tal interface é boa ou não.
P – Também na CES, o sr. causou polêmica quando usou um produto de outra marca em sua demonstração. Por que fez isso?
R – Sim, algumas pessoas ficaram chateadas porque usei um aparelho da empresa Chumby. Fiz isso de propósito, não queria que as pessoas fossem influenciadas por hábitos antigos. Esse aparelho é excelente. Permite que eu acesse na hora os resultados do futebol, minhas fotos, a previsão do tempo, as notícias do dia, e eu não preciso nem apertar um botão. Fiquei pensando como a distribuição de conteúdo exige personalização. Esse produto me mostrou como é ótimo poder acessar naturalmente as informações que você, como usuário individual, quer ver naquela hora.
Hoje, o consumidor quer ter a liberdade de acessar os conteúdos pela internet. Isso representa uma ameaça ao nosso modelo de negócios, e também aos modelos de proteção de direitos autorais. Mas acho que não temos escolha. Precisamos criar uma espécie de “santuário”, um ambiente propício à satisfação do cliente. É a única forma de transformar essa ameaça numa oportunidade.
P – Como a Sony pretende fazer a transição de um modelo de tecnologia fechada para um modelo aberto?
R – Gostaria que a imprensa japonesa reconhecesse como isso é importante. Começamos a transição com o PlayStation 3 Network (PSN), nosso videogame que pode ser integrado a uma rede. O próximo passo será expandir o padrão PSN para outros aparelhos, para aumentar a escala desse tipo de rede. O problema é que a Sony possui uma estrutura vertical para cada linha de produtos, um sistema organizacional que resiste a mudanças. Por isso, vai levar algum tempo até atingirmos o crescimento da rede. Mas vários funcionários nossos concordam comigo nisso.
P – Parece que no futuro haverá uma enorme variedade de tecnologias abertas, conteúdos, serviços etc. Será que os consumidores não ficarão confusos com tantas opções?
R – Lembro de quando eu trabalhava para uma rede de TV, e só havia três redes nacionais nos EUA. Quando surgiu a TV a cabo, o diretor da emissora disse num discurso: “O público está satisfeito com três redes. Não precisa do cabo nem do satélite”. Eu tinha uns 40 anos e comentei: “Não é verdade. O público sempre gosta de ter opções. Para as emissoras é bom que tudo continue como está (apenas três redes de TV), mas isso vai mudar”. Quatro semanas depois, recebi um convite inesperado: assumir o lugar do homem que fez aquele discurso… Veja, se eu tivesse ficado quieto, teria continuado a ser apenas um jornalista da emissora.
P – Como a Sony se relaciona com seus clientes?
R – Nosso relacionamento está mudando, ainda que algumas pessoas na Sony não gostem. Na era analógica, nunca tivemos algo sequer próximo daquilo que se pode chamar “relacionamento”. Era tudo muito simples: o fabricante oferecia seus produtos e o cliente comprava ou não. A internet e a tecnologia da informação mudaram tudo. E, se não nos adaptarmos adequadamente, vamos perder esses clientes para a concorrência. Começamos a interagir com nosso público através de produtos compatíveis com redes, como o PS3, o notebook Vaio e a câmera digital WiFi. Diria que a Sony está bem no meio do caminho entre a era analógica e a digital.
P – Que tipo de profissionais são requisitados na era digital?
R – Talvez por causa da forma como falo, ou por meu currículo, as pessoas às vezes acham que sou contra o hardware. Não é verdade. Todo tipo de conteúdo é inútil sem o hardware. Da mesma forma, o usuário não consegue perceber o real valor do equipamento sem o conteúdo. Ambos têm que andar juntos. E é exatamente aí que a tecnologia da informação desempenha um papel fundamental. O que quero dizer aos engenheiros é isto: “Vocês fizeram coisas maravilhosas, agora precisam trabalhar junto com o pessoal de software para criar novas idéias”. Temos que criar uma fusão entre as áreas de hardware, conteúdo e tecnologia da informação.
A Sony já possui muitos jovens envolvidos em design de software e desenvolvimento de aplicações. E eles estão melhorando sua comunicação com os engenheiros de hardware. O importante é que cada um saiba dizer: “Preciso da sua ajuda”. E que se ajudem mutuamente a melhorar as idéias. Os engenheiros não precisam mudar tudo. Têm apenas que se adaptar aos tempos. Não há necessidade de abandonar o conhecimento e as habilidades que acumularam no passado. Quero que eles olhem para frente e percebam as oportunidades que essa adaptação oferece. Os engenheiros são as “estrelas” da indústria eletrônica, mas as histórias estão mudando. Eles precisam aprender novos roteiros e nos dar novas esplêndidas performances. Meu trabalho é fazer os funcionários da Sony perceberem como esse desafio é gostoso.
P – Com certeza, o sr. não espera que todos os seus engenheiros se adaptem a essa mudança…
R – Não acho os engenheiros japoneses conservadores. Sinto que há um crescimento entre os grupos de desenvolvimento de software, e mesmo nos engenheiros. Já o pessoal do hardware está começando a entender melhor o valor do software. Claro que, com a idade, as pessoas tendem a se prender mais aos velhos hábitos. Ninguém se surpreende quando um veterano diz: “Não consigo aprender coisas novas”. Mas será que esse velho funcionário não pode fazer nada mais? Duvido. Ele pode transferir conhecimento, baseado em sua experiência pessoal, cooperando com os jovens para chegar a uma fusão.
Exemplo: dois homens – um de 60 anos e outro de 30 – estão construindo uma ponte. O mais velho pode achar que não tem a energia suficiente. Mas suponha que o mais jovem diga: “Eu serei a energia, só preciso do seu conhecimento. Diga-me como construir a ponte”. Essa é a verdadeira comunicação. O Vale do Silício foi criado por pessoas com menos de 30 anos. Há inúmeros japoneses dessa idade que precisam vivenciar o mesmo processo. Seria ótimo para o País. Por que não existe um Vale do Silício no Japão? É por causa de um sistema senhorial fortemente estabelecido. Não temos que eliminar os mais velhos, temos sim que acabar com esse sistema envelhecido, em que os mais velhos têm sempre a palavra final. Se conseguirmos essa fusão, faremos produtos melhores.
P – Então, na sua opinião os mais velhos devem transferir seus conhecimentos aos engenheiros mais jovens, e estes devem ser livres para explorar novas idéias?
R – Quero que todos eles percebam que o futuro pode ser muito mais interessante e estimulante do que jamais foi. As pessoas têm medo da mudança. Elas têm que acordar de manhã e dizerem a si mesmas: “Eu não tenho medo de me adaptar a esse novo mundo”. Espero que os engenheiros da Sony entendam que vale a pena embarcar nessa aventura. Não quero que pensem: “Gostaria que nada mudasse, quero que as coisas voltem a ser como eram”. Seria uma perda de tempo. É interessante que quando as coisas vão mal, como numa recessão, certas pessoas começam a lembrar dos “bons tempos”.
O passado não pode ser uma referência para o futuro. O passado é só o passado. Parte da mídia japonesa me critica dizendo que não respeito as tradições da Sony, mas não se trata disso. A tradição da Sony não é viver do passado, é exatamente inovar, apostar no futuro. Nosso co-fundador, o sr. Akio Morita, nunca ficou olhando para o passado. Ele nunca disse que criou uma base para jamais ser mudada. Foi justamente o contrário: ele usava suas habilidades para se adaptar às mudanças do ambiente e descobrir novas soluções e novos clientes pelo mundo afora.
P – Essas idéias se baseiam na sua experiência pessoal?
R – Sim, vi com meus próprios olhos o colapso de toda uma indústria. Quando eu era criança, nos anos 40, a Inglaterra era o maior exportador de carros e motos do mundo. Os EUA faziam carros grandes, mas a Inglaterra vendia mais. Marcas como Jaguar, Lotus e Triumph ganhavam todas as corridas. Hoje, a indústria automobilística britânica praticamente não existe mais. E por que as montadoras japonesas tomaram conta do mundo? Porque as britânicas não mudaram seu modo de agir. Executivos e sindicatos brigavam a todo momento e não havia investimento em robôs para racionalizar a produção.
Também não havia inovação. Para dar a partida numa moto inglesa, você ainda precisava pisar no pedal. Já nas motos japonesas bastava girar a chave de ignição. Os japoneses puderam entrar nesse mercado sem ter que se preocupar com velhas práticas gerenciais. Não estou querendo dizer que a indústria eletrônica japonesa irá terminar como as montadoras britânicas. O Japão possui muitas pessoas capacitadas, e não acredito que vá perder a disputa com Coréia, Taiwan e China. Mas, se o Japão não se adaptar às mudanças, acho que nem Deus poderá garantir o seu futuro.
P – Seu estilo de administração implica em dar maior poder aos funcionários, em vez de fazê-los seguir as ordens da diretoria?
R – Essa é uma ótima pergunta. Quando eu dirigia uma rede de TV ou era editor de telejornal, realmente queria que todos seguissem as ordens superiores. Hoje, adoto um estilo diferente. Não posso fingir que sou um brilhante engenheiro, certo? Acho importante, numa empresa grande, os empregados saberem que os gerentes não dominam certas coisas. Com isso, consegue-se melhor a sua cooperação. Já fiz muitos trabalhos que os engenheiros não fizeram, e observei como as pessoas trabalham em vários países. Participei de muitas áreas na Sony.
O que aprendi é que se todo mundo cooperar, fazemos um trabalho melhor. A era dos ditadores acabou! Agora, é a hora das pessoas compartilharem suas experiências. Os engenheiros japoneses são brilhantes. Comprovei isso recentemente, quando fui a Tóquio. Estava muito deprimido devido à queda de rentabilidade em nossa divisão de TVs. Hiroshi Yoshioka, que dirige a divisão desde 2008, me levou para jantar com alguns de seus jovens colaboradores. Havia umas 30 pessoas, todas com cerca de 30 anos, incluindo gente da área de TVs, computadores etc. Eles haviam colocado numa caixa inúmeras perguntas para eu responder. Discutimos vários problemas da Sony, e foi um dos momentos mais agradáveis que já tive na empresa.
Eram todas pessoas inteligentes e cheias de energia. Tudo que pensei foi: como fazer esses jovens resolverem os problemas da Sony agora, e não quando tiverem 50 anos. Porque, quando tiverem 50 anos, eles já não vão mais se preocupar em resolver problemas. As empresas japonesas podem voltar à liderança da indústria eletrônica. E essas são as pessoas que farão isso acontecer.
*Publicado originalmente no jornal japonês Nikkei Shinbum em 19/05/2009