Brasil, tecnologia e as eleições

Por Orlando Barrozo

Até aqueles que não se interessam pelas eleições (ou os que têm o hábito de anular o voto) estão sendo desafiados este ano a, digamos, sair do armário (ou descer do muro). Independentemente das candidaturas lançadas, há um debate no ar. E esta é uma ótima oportunidade para todos se manifestarem, agora que a internet tornou-se o principal meio de troca de idéias no País (sim, a mídia mais importante continua sendo a televisão, mas esta não foi feita para pensar…)

Refiro-me às propostas que estão em discussão – inclusive no Congresso Nacional – sobre a intervenção do Estado na economia. Um debate antigo, dos tempos de Getulio Vargas, e que não é exclusivo do Brasil. Na Europa em crise, também ouvem-se vozes defendendo presença mais forte dos governos no mercado, que nessas horas é sempre apontado como maior vilão. Até nos EUA o assunto entrou nas discussões, talvez fazendo tremer no túmulo gurus como Adam Smith e George Washington.

Estamos no Brasil, porém, e quero focar aqui o setor onde atuamos – o de tecnologia – e que, a meu ver, poderia ser a porta de entrada (ou de saída?) para um novo País. Digo “poderia”, porque não há sinais de líderes políticos, e mesmo empresariais, preocupados com o tema, como este mereceria. O debate “estatização vs. privatização” tem tudo a ver com o que pretende a população brasileira para o seu futuro, e este passa necessariamente pela questão tecnológica; ou, mais precisamente, pela capacidade do Brasil ser dono do seu destino nas próximas décadas.

A polêmica em torno do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com a reativação da Telebrás, ganhou as manchetes nos últimos meses, superando até assuntos de maior impacto no dia-a-dia das pessoas, como a fome, a miséria, o desamparo na saúde e a criminalidade – como se todos já estivéssemos acostumados a essas tragédias. “Banda larga” é assunto novo, talvez por isso esteja ocupando mais espaço na mídia em geral. Olhando por outro ângulo, é um tema que tem a ver com o futuro que desejamos para nossos filhos e netos, enquanto aqueles outros citados acima são problemas já tomados como “sem solução”.

Um antigo professor certa vez me disse que a obrigação do Estado é prover somente três garantias básicas: saúde, educação e segurança. Seriam itens inegociáveis, numa imaginária disputa entre candidatos e/ou partidos. Assegurando essas três condições à população, com todas as suas forças financeiras e humanas dedicadas a esses objetivos, o governo – qualquer governo – poderia deixar o restante a cargo da sociedade, ou do “mercado”, como gostam de dizer os economistas. Era esse o raciocínio de meu velho mestre.

Levado adiante, o conceito implicaria em retirar agentes públicos de todas as outras áreas de atividade, o chamado “setor produtivo”, outro jargão do economês. O dinheiro arrecadado com impostos serviria então somente para construir escolas, hospitais e presídios de segurança máxima, melhorar a remuneração de médicos, professores e policiais, de tal forma que não precisaríamos pagar planos de saúde, nem caríssimas escolas particulares, nem contratar seguranças para tomar conta de nossas casas. Tudo isso seria fornecido (e bem) pelo governo.

Descontado o caráter utópico de tal proposta, parece justo pensar que o verdadeiro assalto de que somos vítimas (digo, nós, contribuintes) não pode ser mais encarado como irremediável, tal qual uma doença sem cura. Aqui mesmo, neste espaço, tenho lido manifestações na linha do “de que adianta reclamar?”, bem típica de um conformismo que, segundo Sergio Buarque, vem de nossas raízes ibéricas e católicas.

Um leitor já chegou a sugerir que eu, após tantas críticas ao País, fosse morar em outro lugar – algo que tomei como uma versão modernizada do velho “ame-o ou deixe-o” da ditadura militar. A lembrança daqueles tempos não é mera coincidência. Ali, também, travava-se uma falsa batalha entre Estado e Mercado, como se fossem inimigos mortais. Eu próprio tive essa ilusão, durante algum tempo.

Voltando ao tema principal deste artigo: é tempo de eleição, uma oportunidade única de todos revermos nossos conceitos. Que país queremos? O do Estado forte e dominador, capaz de criar uma estatal para cada problema que aparece? Ou o do Mercado, em que tudo se resolve por negociação e as leis existentes são sempre respeitadas? Retomo o exemplo da banda larga para concluir que nenhuma das duas alternativas me parece saudável (ou viável). Embora ambas mereçam ser discutidas abertamente pela sociedade.

Talvez seja oportuno lembrar que banda larga significa, antes de mais nada, o uso racional da tecnologia em benefício da sociedade como um todo. A falta de base educacional, outra herança dos governos militares, tem levado muita gente (particularmente aqueles abaixo dos 40 anos, que não viveram a ditadura) a achar que problemas se resolvem apenas com dinheiro e vontade política. Para levar internet a todos os municípios do País, bastaria então nomear um suposto especialista para elaborar um plano, modificar por decreto as leis que estejam atrapalhando, desviar recursos do Tesouro (ou dos bancos públicos e fundos de pensão, o que vem a dar no mesmo), e pronto: faz-se a tal universalização da banda larga.

É de se perguntar, diante dessa simplificação, por que os governos (inclusive o atual) não conseguiram até hoje colocar computadores na maioria das escolas e delegacias de polícia, ou sequer nas agências da Previdência Social. Por que esperam-se meses para agendar consulta num hospital público? Por quê?

Acabamos de ver o governo cortando o orçamento do Ministério da Educação, entre outros, para não pressionar ainda mais as contas públicas. Enquanto isso, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal concedem financiamentos bilionários a grandes empresas: basta buscar no Google palavras como “Oi”, “Odebrecht”, “Votorantim”, “Sadia”, “Braskem” e outros grandes grupos. Certamente, todos eles possuem capacidade de financiamento próprio, enquanto há milhares de outros, menores, precisando de ajuda e, no entanto, sem ter acesso aos mesmos benefícios. Deu pra entender o porquê?

Diz o noticiário político que os grupos privilegiados pelo dinheiro público são exatamente aqueles comprometidos com o atual esquema de poder, e que tratarão de financiar as campanhas eleitorais de 2010. Se é uma suspeita infundada, saberemos logo. Mas, se há tanto dinheiro assim para esse tipo de ajuda, não há mais sentido em discutir o dilema “Estado vs. Mercado”; mais apropriado seria “Estado + Mercado”, ressalvando que nós, pobres mortais (e contribuintes) fomos alijados das duas categorias.

Enfim, é disso que trata a próxima eleição presidencial. Algum dos candidatos se compromete a rever esses velhos conceitos? Ou será que basta distribuir “bolsas-esmolas” para silenciar quem talvez pudesse não aceitar esse jogo? E você, eleitor, de que lado irá ficar nesse debate? Antes de querer banda larga, precisamos ter tecnologia – no sentido mais amplo possível. E tecnologia só vem como conseqüência de (muita) educação. Aquela mesma educação que deveria ser, lembram-se?, uma das três obrigações do Estado.