Por Samuel Possebon
A discussão sobre a aplicação aos portais de Internet dos limites de capital previstos na Constituição para empresas jornalísticas e de radiodifusão mostrou, durante debate realizado nesta quarta, dia 7, em Brasília, que há duas teses jurídicas diametralmente conflitantes sobre o tema. A audiência aconteceu na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.
De um lado, estava o advogado da Abert, Gustavo Binenbojn. A associação já questionou o Ministério das Comunicações e a Procuradoria Geral da República sobre a legalidade da atuação de portais jornalísticos controlados por empresas estrangeiras, como Terra e Yahoo.
Para Binenbojn, existe um direito posto pela Constituição, e o artigo 222 é claro ao estabelecer os limites de capital e dos interesses nacionais. “A interpretação literal da Constituição não é a única, mas é a mais democrática, e ela diz que qualquer empresa jornalística está sujeita às regras do artigo 222. Empresa jornalística é quem apura e divulga informação como atividade econômica”. diz o advogado da Abert.
Para o advogado Floriano Peixoto de Azevedo Marques, que defende o portal Terra, a limitação de capital do artigo 222 não se aplica em hipótese alguma a portais de Internet. “Na interpretação literal, não dá para aplicar o artigo 222 à fórceps. Uma empresa jornalística é aquela que publica informações periódicas, e na Internet isso não existe. Aliás, a informação é demandada pelo usuário e pode ser consumida a qualquer tempo. Isso muda tudo”. Marques lembra ainda que o voto do ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, ao revogar a Lei de Imprensa com base em sua inconstitucionalidade, foi claro ao dizer que a “comunicação internetizada” está fora do escopo da Constituição.
Histórias diferentes
Marques e Binenbojn também divergem na análise da Constituição à luz da perspectiva histórica. Para Binenbojn, o legislador, ao promover a emenda Constitucional de 2002 que alterou o artigo 222, introduziu o parágrafo terceiro, que amplia a todos os meios de comunicação social eletrônica o disposto no artigo.
O advogado do Terra, contudo, entende que esta referência a qualquer meio de comunicação se refere apenas à aplicabilidade do artigo 221 da Constituição, que trata do conteúdo editorial, e não ao controle de capital. E reforçando a polêmica em torno da questão, o deputado Miro Teixeira (PDT/RJ), que participou das negociações da emenda Constitucional de 2002, concorda com a tese de Marques, mas o deputado Julio Semeghini (PSDB/SP), que também atuava como parlamentar na época, entende, assim como Binenbojn, que o parágrafo terceiro do artigo 222 da Constituição cria uma limitação de capital a qualquer meio de comunicação social.
Outro país
Para Floriano Marques, o objetivo da Carta Magna é a proteção da soberania nacional, e não é com o controle de capital que isso está assegurado. “Nada impede que uma empresa brasileira coloque apenas conteúdos estrangeiros”, diz. “Nesse sentido, para o bem da liberdade de expressão e pluralidade de informação, é preferível que se tenha uma empresa estabelecida no Brasil, com funcionários brasileiros, decisão editorial brasileira, gerando atividade no país, do que uma empresa fazendo tudo isso estabelecida em outro país”, diz. Para ele, a limitação de capital estrangeiro só se justificaria se fosse para preservar um “cartório empresarial”, e nesse caso, diz, “corre-se o risco de criar um oligopólio, igualmente rechaçado pelo artigo 220 da Constituição”.
Marques sugere ainda que se existe um problema, deve ser feito um novo ajuste na Constituição. “Se o problema é que existe uma situação não isonômica onde alguns tem limites de capital e outros não, é preciso mudar de novo a Constituição, porque ela não se aplica à Internet, como reconheceu o ministro Carlos Ayres Brito”. Ele lembrou que apenas três países do mundo estabeleceram controles à Internet: Irã, China e Vietnam, e que o Brasil é o único país em que isso está sendo resolvido pela Justiça.
Para Binenbojn, “se é impossível aplicar a Constituição aos portais de Internet, então tem que ser declarada a derrota da Constituição”. Ele ressalta que a preocupação não é com blogs ou redes sociais, mas com uma invasão empresarial que possa causar risco à soberania nacional. e lembra que tratados internacionais podem perfeitamente ser utilizados para coibir abusos quando praticados a partir de outros países utilizando a Internet como meio.
Fiscalização limitada
Enquanto isso, o Ministério das Comunicações evita entrar em polêmica. O consultor jurídico do Minicom, Édio Henrique de Almeida, disse que cabe ao ministério fiscalizar o Artigo 222 apenas no que diz respeito a empresas de radiodifusão. Gustavo Binenbojn, da Abert, lembrou que há um parecer da própria consultoria jurídica do Minicom, que é vinculada à AGU, no sentido de que o artigo 222 deve ser aplicado a portais. A base do parecer, de fato, é a Lei 10.610, de 20 de dezembro de 2002, que praticamente repete a Constituição e diz ainda que cabe aos órgãos de registro comercial ou de registro civil das pessoas jurídicas fiscalizar a obediência aos limites societários. Ou seja, não há um órgão regulador para esse mercado, nem uma definição de empresas jornalística. Segundo a lei, cabe ao presidente da República dizer quem no Poder Executivo fiscaliza o tema.
Segundo Ricardo Pedreira, diretor executivo da ANJ, a Procuradoria Geral da República encaminhou aos ministérios públicos de São Paulo e do Rio Grande do Sul (onde estão as sedes dos grupos Brasil Econômico e Terra) despachos para investigação de eventuais irregularidades.
Artigo publicado no site Tela Viva, em 08/07/2010