O gato, o rato e a mosca na sopa da pirataria

Por Orlando Barrozo

Na mesma proporção em que aumenta a audiência dos sites peer-to-peer, que permitem a troca de arquivos digitais (com músicas, fotos, vídeos etc.), cresce o cerco dos detentores de direitos autorais sobre esse, digamos, mercado livre em que se transformou a internet. A mera disputa comercial transformou-se, com o tempo, numa espécie de jogo de gato-e-rato. De lado a lado são lançados argumentos técnicos, econômicos, políticos, éticos e até morais! De que lado você fica?

Recentes decisões judiciais, na Europa e nos EUA, têm favorecido o lado teoricamente mais forte, o das gravadoras, estúdios de cinema e produtoras de software, que perdem dinheiro (na verdade, deixam de ganhar) cada vez que alguém decide fazer um download sem pedir licença. O pessoal do software parece ter encontrado um caminho, nas plataformas abertas (open-code), em que os próprios usuários se tornam desenvolvedores, ajudando a melhorar (e a pagar) os conteúdos.

No caso da indústria fonográfica, não há mais dúvidas de que essa é uma guerra perdida: ainda que alguns tribunais dêem ganho às gravadoras em determinadas causas, temos aí o típico exemplo da “mosca na sopa” da canção de Raul Seixas – quando se mata uma, surge outra (ou várias) em seu lugar.

Há duas semanas, um caso emblemático ganhou as manchetes nos EUA. Uma dona-de-casa foi condenada a pagar US$ 1,92 milhão de indenização por ter supostamente baixado e distribuído 24 músicas pelo site Kazaa em 2005. Na época, ela alegou que não sabia de nada (teria sido coisa de seu marido ou de um de seus quatro filhos). Recebeu então uma proposta indecorosa da RIAA (Recording Industry Association of America), entidade que representa as gravadoras: 5 mil dólares para vir a público dizer que se arrependia do “crime”. Ao recusar o acordo, ela foi processada e, agora, condenada.

De tão ridículo, um episódio como esse coloca a indústria fonográfica, já tão desmoralizada, totalmente na lona. A RIAA admite que desde 2003 já processou mais de 35 mil pessoas, nos EUA, por fazerem downloads tidos como ilegais (leia-se: “não autorizados”). Diante da inutilidade de tais ações, a entidade agora muda de estratégia: está acionando os provedores de internet que mantêm sites não licenciados.

Será que isso altera alguma coisa? O recente caso do site sueco PirateBay, tido como o maior fornecedor de conteúdo pirata do planeta, talvez dê alguma pista. Os fundadores do site estão sendo procurados pela polícia, a partir de ação movida por empresas como Warner, Fox e outras. Peter Sunde, co-fundador do site, que esteve no Brasil recentemente, ironiza esse tipo de processo, dizendo não se importar com as leis de seu país.

Sites como o PirateBay existem aos milhares, inclusive no Brasil, e (assim como acontece com as nossas rádios piratas) é praticamente impossível acabar com eles. Os estúdios e gravadoras que financiam essas ações judiciais sabem perfeitamente que grande parte dos conteúdos pirateados tem origem em seus próprios domínios, via funcionários com acesso a cópias de filmes e discos antes de qualquer usuário. Além do mais, é absurdo comparar o criminoso com a pessoa que simplesmente baixou uma música para consumo próprio.

O problema, me parece, está em outra esfera. Quando alguém diz que está se lixando para as leis de seu país, abre mão, no mesmo momento, de seus possíveis direitos como cidadão. E se equipara aos bandidos. O argumento de que é bom baixar filmes sem autorização “porque Hollywood já ganhou muito dinheiro às nossas custas” só cabe na boca de quem defende o velho “a lei, ora a lei…”

Sim, Hollywood – assim como as gravadoras, a Microsoft, a Apple e todas as grandes empresas do mundo – quer tirar dinheiro do consumidor, e para isso utiliza as formas mais variadas. Uma delas é produzir filmes que seduzem milhões de espectadores nos cinemas, depois nas videolocadoras, nas TVs pagas (sim, pagas) e abertas.

Quem não quiser pagar para ver um filme só precisa esperar que ele seja exibido na TV aberta, de graça. Alguém que, vinte anos atrás, comprou uma cópia VHS de, por exemplo, “Cantando na Chuva” e depois viu o mesmo filme ser lançado em DVD tem o direito de reclamar? Ora, o DVD traz muito mais recursos que o VHS – as coreografias de Gene Kelly aparecem muito mais luminosas e inesquecíveis na versão digital (sem falar dos extras, do som surround etc; e mais ainda, agora em Blu-ray). E tudo isso tem seu custo, certo?

Quem não concordar não precisa comprar o Blu-ray, nem mesmo o DVD: pode ficar com sua fita VHS. Mas não vale alegar razões éticas para condenar o avanço da tecnologia, como se este fosse um crime de lesa-consumidor.

O fato de alguns artistas, basicamente músicos, estarem disponibilizando seus discos livremente pela web tem a ver com outro aspecto do show business: a excessiva dependência que quase todos sempre alimentaram em relação às suas gravadoras. Por mero comodismo, incompetência ou em troca de um bom adiantamento, a maioria deles jamais se preocupou com a distribuição de sua produção musical – até que as vendas de discos despencaram! Hoje, um cantor ou banda ganha dinheiro fazendo shows, e isso para eles basta.

Desnecessário dizer que esse modelo não pode se replicar nas outras mídias de entretenimento, como cinema, vídeo e literatura. A tecnologia terá que encontrar formas diferentes de distribuição desses conteúdos, e as pessoas terão que se acostumar à idéia de que é preciso pagar por eles. Caso contrário, entraremos na terra de ninguém. E, aí, não vai adiantar reclamar quando um ladrão assaltar a sua casa; ou um amigo seu sofrer um seqüestro-relâmpago; nem quando um político empregar seus parentes ou construir um castelo. Seremos todos criminosos.