O novo consumidor e a decisão de comprar

Por David Court*

Se há um objetivo em marketing, este é atingir o consumidor exatamente nos nomentos que mais influenciam suas decisões. É por isso, por exemplo, que os fabricantes de TVs querem que os consumidores não apenas vejam seus aparelhos nas lojas, mas também que esses aparelhos estejam mostrando belíssimas imagens em alta definição.

É isso também que explica por que a Amazon.com, maior loja online do mundo, há dez anos começou a oferecer, junto com os produtos, recomendações a clientes que estavam prontos para decidir sua compra. E é aí também que está a origem da expressão “soap opera”, que é como são chamadas, nos EUA, as telenovelas – há muitos anos atrás, a Procter & Gamble passou a patrocinar esse tipo de programa (primeiro no rádio, depois na TV) para atingir exatamente aquele público que tinha maior chance de comprar seus sabonetes.
O marketing sempre esteve à procura desses momentos em que o consumidor está aberto a influências. Durante anos, isso foi chamado de “touch points”, que seriam o ponto final de uma espécie de túnel (os publicitários criaram para isso a metáfora “funnel”) – o consumidor começa com várias marcas em mente, e o marketing vai reduzindo aos poucos esse número de opções, até que no final do túnel ele fica com uma única marca.

Hoje, o conceito de funnel não consegue captar todos fatores que influenciam a decisão de compra, e que resultam da explosão de marcas, produtos e canais digitais de venda, associada ao surgimento de um consumidor muito mais bem informado e com maior capacidade de discernimento. É necessária uma abordagem mais sofisticada para ajudar os profissionais de marketing a navegar nesse ambiente, que é muito menos linear e mais complicado do que sugere a tal metáfora do túnel.

Chamemos essa abordagem de “jornada da decisão do consumidor”. Esse novo conceito pode ser aplicado a qualquer tipo de mercado ou região onde haja tipos diferentes de mídia, acesso à internet e uma larga oferta de produtos, incluindo as novas grandes áreas urbanas da China e da Índia. Desenvolvemos essa abordagem examinando as decisões de compra de quase 20 mil consumidores, em três continentes e em cinco ramos diferentes da economia.

Nossa pesquisa demonstrou que a proliferação de mídias e de produtos obriga a encontrar novos meios de inserir as marcas na fase inicial da “jornada” do consumidor. Descobrimos ainda que, devido à comunicação de duas vias (entre consumidores e profissionais de marketing), estes precisam de um modo mais sistemático de atender as demandas daqueles, incluindo o controle do chamado boca-a-boca. Além disso, a pesquisa identificou dois tipos diferentes de lealdade entre os consumidores, o que é um desafio para as empresas que desejam aprimorar seu relacionamento com os clientes.

Fica clara a importância de alinhar todos os elementos do marketing – estratégia, investimento, gerenciamento de canais e mensagem – com o curso da “jornada”, a partir do momento em que o consumidor considera a possibilidade de fazer uma compra. Mas não apenas isso: a importância de integrar todos esses elementos dentro da organização.
Todos os dias, pessoas formam sua impressão sobre as marcas a partir dos chamados “pontos de toque”, como anúncios, matérias da imprensa, conversas com amigos e familiares, e experiências práticas com produtos. Com exceção dos casos em que o consumidor está comprando muito, parte dessa exposição da marca acaba sendo desperdiçada. Mas, o que acontece quando alguma coisa ativa na pessoa o impulso de comprar?Aquelas impressões acumuladas tornam-se então cruciais, porque formam um cenário bem mais definido: apenas um pequeno número de marcas são lembradas pelo consumidor como boas opções de compra.

A analogia do funnel sugere que os consumidores sistematicamente reduzem suas opções gradativamente, enquanto vão estudando cada uma delas. Feita a compra, vem um período de experimentação que irá determinar sua lealdade àquela marca e a probabilidade de voltar a comprar os produtos daquela empresa. Nossa pesquisa qualitativa cobriu as áreas de automóveis, cosméticos, seguros, equipamentos eletrônicos e telefonia móvel, revelando que, ao contrário do que se costuma ensinar aos profissionais de marketing, as ações não devem atingir o consumidor em cada estágio do túnel.

Na verdade, descobrimos que o processo de decisão de compra se parece mais com uma “jornada em círculos”, com quatro fases primárias que são verdadeiros campos de batalha onde o marketing pode ganhar ou ser derrotado:

1) Considerações iniciais do consumidor;
2) Avaliação ativa das opções, ou seja, o processo de pesquisa de produtos;
3) Definição, ou o momento em que a compra é efetivada;
4) Pós-compra, quando a pessoa enfim experimenta aquilo que adquiriu.

A questão da marca
A metáfora do túnel ajuda a entender a força de uma marca, quando comparada à concorrência em diferentes estágios. Mas não explica tudo. Imagine que uma pessoa decide comprar um carro. De cara, ela poderá identificar uma série de marcas. Em nossa pesquisa, vários consumidores nos disseram que a fragmentação das mídias e a grande quantidade de produtos acabaram fazendo com que reduzisse o número de opções já de saída. Confrontados com o excesso de alternativas e de meios de comunicação, eles tendem a se retrair e ficar somente com aquelas marcas que conseguiram permanecer em sua lembrança.

O que prova que o chamado “conhecimento de marca” (brand awareness) é essencial: as marcas consideradas na fase inicial da jornada têm três vezes mais chances de serem escolhidas no momento da decisão final.

Mas, nem tudo está perdido para aquelas marcas que foram excluídas na primeira fase. Ao contrário do que diz o conceito de funnel, o número de marcas consideradas durante a fase 2 (avaliação ativa) pode até aumentar, em vez de diminuir, à medida que o consumidor buscam mais informação. Marcas podem “interromper” o processo de decisão de compra, inclusive forçando a eliminação de concorrentes. O número de marcas que são acrescentadas a partir da fase 2 varia conforme o segmento de mercado. E essas variações criam oportunidades para cada marca causar maior impacto na mente do consumidor.

O poder do consumidor

A segunda mudança profunda que detectamos é que mudou a relação entre consumidor e marketing. No sistema tradicional, eram as empresas que induziam o usuário, através de propaganda, patrocínios, marketing direto e outros canais de venda. Essa abordagem, porém, não consegue atingir o consumidor certo na hora certa. Hoje, é o consumidor que induz o marketing, através do controle que possui de buscar a informação mais útil no momento em que necessita.

De acordo com nossa pesquisa, dois terços dos pontos de toque durante a fase 2 envolvem ações em que o consumidor detém o controle, como pesquisar na internet críticas sobre o produto, pedir sugestões a amigos e familiares, relembrar experiências anteriores com aquela marca e (já dentro da loja) interagir com outros consumidores. O marketing tradicional continua sendo importante, mas a mudança de comportamento do consumidor significa que o marketing deve ir além do velho estilo de “empurrar” a comunicação, e passar a agir sobre o boca-a-boca e as mídias online.

A experiência das montadoras americanas de automóveis demonstra como é importante dominar esses novos pontos de toque. Empresas como Chrysler e GM sempre focaram suas ações de marketing no incentivo às vendas e promoções dentro das lojas. Lutaram a guerra errada: seus grandes desafios estão nas fases 1 e 4 da jornada, algo que as montadoras japonesas – Honda e Toyota, principalmente – aprenderam a dominar, com a força de suas marcas e a qualidade de seus produtos.

A experiência positiva com carros japoneses tornou os consumidores leais a essas marcas, gerando boca-a-boca positivo e aumentando a probabilidade de que, numa próxima compra, aqueles consumidores considerem as mesmas marcas desde o início. Não há campanha de incentivo que supere esse círculo virtuoso.

Dois tipos de lealdade
Quando o consumidor chega a uma decisão de compra, o trabalho do marketing está apenas no início. Sua experiência pós-compra irá definir sua opinião em todas as decisões futuras naquela categoria de produto. Ou seja, a “jornada” é um ciclo sem fim. Mais de 60% dos usuários de cosméticos, por exemplo, vão à internet depois da compra para continuar pesquisando, o que seria inimaginável dentro do conceito de túnel.

Embora a experiência pós-compra continue sendo importante para determinar lealdade à marca, nem todos os tipos de lealdade são iguais neste mundo complexo e competitivo de hoje. Há consumidores tão leais a uma marca que não apenas a procuram sempre, mas a recomendam sempre; outros são mais passivos, seja por preguiça ou por se sentirem confusos diante de tantas opções. Estes últimos são aquele tipo de consumidor aberto a mensagens da concorrência.

No ramo de seguros de veículos, por exemplo, o grau de lealdade deveria ser grande, porque as pessoas têm de renovar o seguro a cada ano. Mas nossa pesquisa descobriu grande quantidade de “leais passivos” entre as principais marcas do mercado, o que cria oportunidades para interromper o ciclo de lealdade. Todos os homens de marketing deveriam se concentrar em expandir a base de clientes “leais ativos” de suas marcas, e para isso é preciso investir nos novos pontos de toque. Isso requer novas estratégias, e não simplesmente investimentos em internet e boca-a-boca.

Alinhando marketing e decisão de compra
A crescente complexidade da jornada de decisão de compra irá forçar quase todas as empresas a adotar novas maneiras de medir as atitudes do consumidor, a performance das marcas e a eficiência dos investimentos em marketing ao longo de todo o processo.

Se não realinharem seus investimentos, os profissionais de marketing correm dois riscos: primeiro, desperdiçar dinheiro – num momento de baixas receitas e baixo crédito, o investimento em propaganda pode se revelar menos eficiente porque os consumidores não estarão recebendo a mensagem certa na hora certa. Segundo, tentar “empurrar” produtos para o consumidor – em lugar de dar a ele informação, suporte e a experiência de que necessita para tomar suas decisões – pode ser uma estratégia desastrosa.

Algumas empresas certamente terão que reformular suas mensagens, tendo em vista as deficiências reveladas por seu marketing até agora em alguma das quatro fases da jornada. Nos EUA, a fabricante coreana Hyundai soube enfrentar bem essa questão ao lançar uma campanha em que prometia a quem comprasse seus carros que os aceitaria de volta, caso o comprador ficasse desempregado. Uma mensagem provocativa, sem dúvida, mas perfeitamente adequada ao momento que o País vive, permitiu à Hyundai se inserir entre as primeiras marcas consideradas quando um americano pensa em comprar um carro. Como o segmento de automóveis caiu bastante, o market-share da empresa coreana está aumentando significativamente.

O consumidor dirige o marketing
Para fugir do esquema do túnel, as empresas precisam investir em mídias que permitam maior interação entre o consumidor e o marketing. O epicentro disso, sem dúvida, está na internet, hoje essencial na fase de avaliação ativa, em que o consumidor vai buscar informações e recomendações. Uma boa performance nesse momento da jornada exige inovações como: websites de produtos, programas de incentivo ao boca-a-boca e propaganda customizada de acordo com o contexto e o cliente.

Com as redes de banda larga, é possível criar atrativos mais ricos para que o consumidor conheça os produtos. Ferramentas simples, porém dinâmicas, podem ajudá-lo a decidir. Dois exemplos recentes são o “card finder” da American Express e o “car configurator” da Ford, que permitem acessar rapidamente as opções, com poucos cliques. Pode-se ainda usar a força de influência da web no processo de boca-a-boca, inclusive com chats em que os usuários façam seus próprios comentários.

Finalmente, os novos sistemas de gerenciamento de conteúdo e os mecanismos de busca permitem criar centenas de variações para um anúncio ou campanha, explorando o contexto, o comportamento dos consumidores e até mesmo (em tempo real) os produtos que determinada empresa precisa promover, de acordo com seus estoques. Muitas companhias aéreas, por exemplo, gerenciam e otimizam milhares de combinações sobre vôos, pacotes e preços, gerando conteúdos criativos para viajantes potenciais.
Isso tudo é o que o marketing digital vinha prometendo há tempos. Agora, finalmente, temos as ferramentas para fazê-lo de modo mais preciso e eficiente.

*Participaram também da elaboração deste artigo David Elzinga, Susan Mulder e Ole Jorgen Vetvik, da empresa de pesquisas McKinsey. (c) McKINSEY RESEARCH