Por Lu Aiko Otta e Leandro Colon*
O imposto sindical, um bolo tributário de quase R$ 2 bilhões formado por um dia de trabalho por ano de toda pessoa que tem carteira assinada, alimenta um território sem lei. Os 9.046 sindicatos que dividem esse dinheiro não são fiscalizados.
Resultado: abrir uma entidade sindical transformou-se em negócio lucrativo no País. Levantamento feito pela reportagem do Estado identificou sindicatos de todos os tipos: de fachada, dissidentes por causa de rachas internos e entidades atuando como empresas de terceirização de mão de obra.
Os dirigentes das centrais admitem que o imposto está por trás da proliferação sindical, o que transforma alguns sindicatos em verdadeiros cartórios. A reportagem constatou ainda que, só neste ano, o Ministério do Trabalho registrou um novo sindicato a cada dia, 126 no total, o que revela uma indústria debaixo da chamada liberdade sindical garantida pela Constituição.
A proliferação acirrou-se a partir de 2008, quando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu formalizar as centrais – a fatia do bolo que elas recebem é proporcional ao número de entidades filiadas. E tudo ficou mais fácil quando Lula decidiu que as centrais não precisam prestar contas do dinheiro que recebem. “Parte dos sindicatos é constituída sem representatividade, só com o objetivo de arrecadar os recursos dos trabalhadores através das taxas existentes”, admitiu o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos. “Está havendo desmembramento de sindicatos, muitos deles artificiais e piratas”, concorda Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. “É o banditismo sindical.”
Estima-se que metade dos sindicatos em operação no País tem como função apenas o recebimento de tributos. Dirigir uma entidade passou a ser meio de vida de algumas pessoas, como no caso de Djalma Domingos Santos. Ele dirige um sindicato que faz intermediação de mão de obra para empresas do agronegócio. Os abusos são tão flagrantes que a entidade está sob investigação do Ministério Público do Trabalho. Santos também preside sindicatos de trabalhadores da movimentação de mercadorias em pelo menos cinco cidades.
“Não é impossível, mas é pouco provável”, disse o secretário-adjunto de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, André Luis Grandizoli, ao ser questionado sobre como uma pessoa pode presidir tantos sindicatos ao mesmo tempo – e todos devidamente registrados. “Não temos como avaliar.”
Ainda segundo Grandizoli, o governo evita qualquer ação que possa parecer interferência na atividade sindical: “Temos de observar a Constituição, que garante a liberdade sindical.” Debaixo desse guarda-chuva constitucional, a criação de sindicatos galopa. O Ministério do Trabalho requer apenas “um mínimo de democracia” no processo de abertura, como disse Grandizoli. É preciso realizar uma assembleia, convocada em jornal de grande circulação e no Diário Oficial, para pedir a formalização. A candidatura da entidade a um registro formal, que lhe dará acesso ao imposto sindical, é submetida a uma audiência pública por 30 dias.
A checagem da documentação do futuro sindicato é apenas formal. Nenhum fiscal verifica, por exemplo, se o endereço informado existe. As investigações sobre irregularidades com o dinheiro do imposto sindical são feitas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, informou Luiz Antônio de Medeiros, ex-secretário de Relações do Trabalho. A frouxidão com que os sindicatos são acompanhados pelo governo não é recente. O banco de dados do Ministério do Trabalho sobre entidades sindicais só foi criado em 2005. Segundo Grandizoli, houve um período, no final da década de 1990, em que os sindicatos nem eram registrados no ministério, pois a legislação é vaga a esse respeito.
A Constituição diz que “a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.” Não está claro se o órgão competente para registro é o Ministério do Trabalho. Essa mesma passagem da Constituição foi a base do veto que Lula impôs ao artigo 6º da Lei 11.648, que regulamentou as centrais sindicais. O texto previa a prestação de contas do dinheiro da contribuição sindical ao Tribunal de Contas da União (TCU). Mas o Planalto considerou o artigo inconstitucional, por representar uma interferência do Poder Público nas centrais. Posteriormente, o Congresso confirmou o veto.
Ao serem formalizadas, as centrais passaram a disputar uma fatia de até 10% da contribuição sindical. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, no ano passado elas receberam R$ 81 milhões. A maior fatia, de R$ 26,8 milhões, foi para a CUT. As centrais tiveram papel fundamental no apoio a Lula durante o escândalo do mensalão. Prometeram tomar as ruas caso prosperasse a ameaça de impeachment do presidente.
*Publicado em O Estado de S.Paulo em 23/05/2010