Troca de multas por investimentos da Oi. Pode isso?

Por Dane Avanzi

Criada em 1997 para modernizar as telecomunicações, a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, foi responsável pela maior revolução do setor já ocorrida na história do Brasil. Sua criação foi inspirada no modelo de gestão e regulação das agências mais modernas e eficazes do mundo.

Nesse contexto ela foi criada para, em essência, ser um órgão fiscalizador. Mas, qual a importância da fiscalização para a regulação dos serviços de telecomunicações? É através da fiscalização que um serviço pode ser auditado, para que a agência saiba se as metas de qualidade de sinal e cobertura territorial previstas no contrato de concessão estão sendo cumpridas. Tais metas de qualidade e cobertura são vitais para o processo de Universalização das Telecomunicações, que por sua vez está intrinsicamente ligado às políticas de inclusão social, educação e cidadania.

No passado, as teles estatais tinham maior consciência e comprometimento com sua importância social na vida do povo brasileiro, até porque eram empresas do Estado. Hoje, no entanto, investe-se mais em infraestrutura, torres, antenas e equipamentos – sinônimo de qualidade – onde o retorno do investimento é mais rápido, uma vez que a lógica da empresa privada é o lucro.

Sabendo disso, no contrato de concessões a Anatel estipula metas de qualidade e de universalização que devem ser cumpridas pelas operadoras prestadoras do serviço, sob pena de serem multadas. Pois bem. Como em todo contrato, quando uma obrigação não é cumprida, a parte inadimplente é multada e essa multa deve ser exigida.

Em se tratando a titular do crédito de Pessoa Jurídica de Direito Público, no caso a Anatel, uma Autarquia Federal, a “rolagem da dívida” pode ser interpretada como renúncia fiscal. O TCU – Tribunal de Contas da União – está acompanhando o caso de perto, pois o valor de uma eventual renúncia fiscal pode chegar à cifra de R$ 1,18 bilhão, estando o valor exato ainda em fase de apuração. Se o valor é expressivo por si, imaginem em tempos de vacas magras como os vividos atualmente.

Os efeitos dessa possível “rolagem da dívida”, caso se confirme a decisão, constituirão uma jurisprudência favorável (e perigosa) para no futuro as outras operadoras também descumprirem suas metas de qualidade e investimentos e ficarem impunes – o que pode piorar ainda mais a qualidade e as metas de universalização dos serviços de telecomunicações.
A lógica é simples: quanto menos se investe, maior o lucro. Aliás, pensando nisso é que existe a multa contratual. A decisão não é simples, porque a Oi possui uma fatia de 18,64% do mercado de telefonia móvel brasileiro e há anos passa por um processo de reestruturação de dívida.

A missão de regular implica, em última análise, ser o fiel da balança na relação entre operadoras e consumidor – fato que envolve decisões complexas, compostas de várias camadas: técnica, jurídica, financeira, política e fiscal, como no caso em tela. Seja como for, é certo que as redes de telecomunicações continuarão a se expandir. A questão é que essa expansão deve ter o mínimo de impacto no bolso do consumidor brasileiro, que já paga uma das tarifas mais caras do mundo, em parte por conta da carga tributária brasileira.

O que não é razoável é o contribuinte financiar o negócio de conglomerados econômicos internacionais, o que na prática irá acontecer se ocorrer a “rolagem da dívida” com o aval do TCU. Seja qual for a decisão, certamente desenhará novos rumos para o cenário de telecomunicações brasileiro.

Dane Avanzi é advogado, empresário de telecomunicações e presidente da Aerbras – Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil.