Um novo modelo de jornalismo

Por Leonard Downie Jr. e Michael Schudson*

A cobertura jornalística que cobra responsabilidades das pessoas com poder e influência é parte vital da vida democrática americana, especialmente em locais com jornais diários que ainda estão dando lucro e cujos proprietários têm o espírito público necessário para manter um número substancial de equipes de jornalistas. Esse jornalismo hoje corre riscos, como também as bases econômicas dos jornais que se sustentam com a publicidade.

A sociedade americana precisa assumir a responsabilidade coletiva de apoiar a imprensa de notícias, como ocorreu, a um custo muito maior, com a educação pública, o sistema de saúde, os avanços científicos e a preservação cultural, por meio de combinações variadas de filantropia, subsídio e política governamental. Pode não ser fundamental salvar ou promover um jornal em particular, incluindo os veículos de informação impressos. O essencial é preservar o trabalho de reportagem confiável, original, independente, lucrativo ou não, não importa em que veículo ele apareça.

Não acreditamos que os jornais desaparecerão, seja na forma impressa ou online. Mas as equipes de reportagem serão muito menores, com funções reduzidas. Ao mesmo tempo, a internet permitiu o surgimento de novas maneiras de coletar e distribuir as notícias que tornam possível uma reconstrução do jornalismo americano.

Jornalistas que deixaram a imprensa escrita lançaram sites de notícias locais em muitas cidades grandes e pequenas. Outros iniciaram projetos não lucrativos de jornalismo investigativo e serviços de notícias comunitários em universidades vizinhas, como também organizações especializadas em reportagens investigativas no plano estadual ou nacional.

Outros estão trabalhando com moradores locais para produzir blogs de notícias para a comunidade. Os próprios jornais vêm colaborando com outros veículos de informação, incluindo empresas recém-abertas e bloggers, para complementar suas pequenas equipes de reportagem.

Entre esses novos agregadores de notícias estão não só os jornalistas nas redações, mas também os freelancers, os estudantes de faculdade, bloggers e cidadãos armados com telefones inteligentes. Hoje, o apoio financeiro a esse trabalho vem não apenas de anunciantes e assinantes, mas também de fundações, instituições filantrópicas, universidades e doadores individuais.

Esse ecossistema jornalístico que está emergindo, em que a coleta e distribuição das notícias é muito mais dispersada, tem um grande potencial. Mas ainda é muito frágil. A responsabilidade jornalística, em particular, exige recursos de reportagem significativos, com uma liderança profissional vigorosa e um apoio financeiro confiável, que o mercado não pode mais oferecer da maneira necessária.

Em vez de depender principalmente de um encolhimento dos jornais, as comunidades deveriam ter uma série de fontes diversas de cobertura jornalística. E devem incluir organizações noticiosas não lucrativas e comerciais que possam competir e colaborar entre si, adaptando formas jornalísticas tradicionais às novas formas interativas de comunicação digital.

Num extenso estudo, encomendado pela Escola de Jornalismo da Universidade Colúmbia, A reconstrução do jornalismo americano, a ser publicado esta semana, sugerimos inúmeras fontes públicas de apoio para essa cobertura jornalística: O Internal Revenue Service (Receita Federal) ou o Congresso devem tornar mais claras as regras fiscais de modo a permitir explicitamente que órgãos de notícias locais, novos ou existentes, atuem como entidades não lucrativas ou com lucro mínimo, para receberem doação dedutíveis de impostos, junto com a receita publicitária e outras fontes de renda.

As instituições filantrópicas e fundações precisam aumentar substancialmente o apoio à cobertura noticiosa local – órgãos tanto comerciais como não lucrativos – do mesmo modo que dão suporte a instituições educacionais, culturais e artísticas.

As emissoras de televisão e rádio públicas devem ser completamente reorientadas, com uma reforma e novas medidas apoiadas pelo Corporation for Public Broadcasting (fundo de apoio à rede pública de televisão), para que se possa oferecer uma boa cobertura local de noticiais em cada comunidade atendida por essas emissoras públicas, o que muito poucas oferecem hoje.

As universidades e faculdades precisam se tornar fontes institucionais para a cobertura de notícias local, estadual e de responsabilidade, seguindo a orientação das escolas de jornalismo pioneiras, cuja comunidade de professores e estudantes de jornalismo trabalham em websites de reportagens investigativas e notícias da comunidade.

Um fundo para notícias locais nacional deveria ser criado com as taxas que a Comissão Federal de Comunicações arrecada dos usuários das telecomunicações, emissoras com licença para transmitir programas ou provedoras de Internet. Essas subvenções devem ser feitas por esse fundo para notícias locais, competitivamente, para organizações de notícias locais, para modernizarem seu trabalho informativo e ter recursos para sustentar esse trabalho.

As organizações governamentais, não lucrativas e jornalistas devem aumentar a acessibilidade e utilidade da informação pública, partindo dos governos locais, estaduais e federais, aproveitando os recursos digitais para analisar e usar essas informações na sua cobertura jornalística.

Todas essas são medidas sensatas e possíveis de implementar. Exigem somente uma liderança nas áreas de jornalismo, filantropia, do ensino superior, do governo e do resto da sociedade, de modo a se aproveitar esse momento de mudanças desafiadoras e novo início na mídia para se assegurar o futuro da cobertura jornalística.

*Leonard Downie Jr. é vice-presidente e ex-editor executivo do Washington Post e professor de jornalismo na Universidade do Estado do Arizona. Michael Schudson é professor de comunicação na Escola de Jornalismo da Universidade Columbia.

Texto publicado em O Estado de S.Paulo, em 25/10/2009.