Não tive tempo de comentar aqui o grande negócio da semana, que foi a compra pela Google da Motorola Mobility, divisão de equipamentos móveis da tradicional empresa americana. Em meu livro “Os Visionários – Homens que Mudaram o Mundo através da Tecnologia“, conto um pouco da história da Motorola, em cujos laboratórios nasceu, por exemplo, o telefone celular, nos anos 1970. Apesar de seu grande passado, essa empresa vem perdendo terreno nos últimos anos devido à falta daquilo que Google e Apple têm de sobra: capacidade de inovar. No mundo de hoje, essa qualidade é provavelmente o patrimônio mais importante de uma empresa de tecnologia.

Analisando grande parte do que foi escrito esta semana sobre o negócio, chego à conclusão (que pode estar totalmente equivocada) de que, mais uma vez, os egos estão falando mais alto. A Google está pagando um valor absurdo pela Motorola Mobility: US$ 12,5 bilhões são mais de 60% do que a empresa vale, segundo analistas independentes. Mais ou menos como fez a Microsoft meses atrás, ao pagar US$ 8 bilhões pela Skype, como comentamos aqui. Por mais que essas gigantes tenham dinheiro sobrando, não se brinca assim com bilhões, certo?

Aparentemente, dois fatores pesaram mais para a efetivação do negócio que está sendo chamado informalmente de “Googlerola”. O primeiro tem a ver com disputas judiciais em torno de royalties. A Motorola Mobility possui registradas nada menos do que 24.500 patentes, e esse é um ativo precioso no mundo tecnológico. Para se ter uma ideia, a própria Google está respondendo a um processo da Oracle, por violação de patentes relacionadas ao programa Java, que já ronda a casa dos US$ 3 bilhões – o julgamento está previsto para outubro. Ao se tornar dona de tantas patentes, de certa forma a Google se protege contra novas ações desse tipo no futuro.

O segundo fator decisivo para Larry Page e Sergey Brin gastarem essa montanha de dinheiro é a aposta no setor de televisão. Como sabemos, a plataforma GoogleTV não deu certo. A Motorola é o maior fabricante mundial de conversores para TV paga (o chamado set-top box), que vende para as principais operadoras do planeta. Dominando esse item, a Google passa, teoricamente, a ter maior poder de pressão sobre o crescente mercado de TV por assinatura. E quem sabe possa com isso viabilizar o GoogleTV, que na verdade consiste na integração entre TV paga e internet. O sonho confesso de Page & Brin é transportar para o universo da televisão a consagrada fórmula publicitária baseada no seu mecanismo de buscas – e as verbas que circulam no mundo da TV são infinitamente mais altas do que na web.

O problema – como diz o brilhante Peter Kafka, do site AllThingsDigital – é que o pessoal de televisão é meio “paranoico” em relação aos superpoderes do Google. Quando lançou sua plataforma de TV, a empresa teve que engolir um sonoro “não” das emissoras e operadoras americanas diante da intenção de distribuir shows e seriados de sucesso pela internet. Segundo a agência Reuters, essas mesmas emissoras e operadoras farão o que puderem para impedir a “googlização” da TV, até mesmo para não colocar em risco da privacidade de seus assinantes.

Mas o que pode mesmo frustrar os planos de Page & Brin é algo que nos EUA, ao contrário do Brasil, funciona quase à perfeição: o sistema regulatório. A empresa já está sendo investigada pela Comissão Federal de Comércio (FTC) pela forma agressiva com que tenta impor o Android aos fabricantes de computadores e smartphones – mesma razão que, nos anos 90, levou a Microsoft aos tribunais por causa do Windows. Processos correm em vários estados americanos, com relatos de pressões sofridas até por pequenas empresas para trabalhar com o Android. E, na Europa, a Google sofre ações judiciais em nove países. Com a compra da Motorola, é inevitável que surjam suspeitas: será que os celulares dessa marca terão privilégios na introdução das novas versões do Android? Como reagirão Samsung, LG, HTC, Sony Ericsson e demais fabricantes de smartphones?

Ou seja, talvez o negócio não venha a ser tão bom assim para os googlistas.

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