Por que me Ufano do Meu País é o nome de um livro escrito no ano de 1900 por Afonso Celso, escritor medíocre que pouco ou quase nada mais produziu. Na década de 1960, em plena ditadura militar, Millôr Fernandes escreveu uma peça teatral com o mesmo título, mas evidentemente de sentido oposto, uma crítica irônica que a censura da época proibiu, mais por causa do título que pelo conteúdo em si. O fato é que o livro tornou popular o termo “ufanismo”, no sentido otimista, significando orgulho ou auto-elogio em relação a um país (para entender melhor seu significado, leia aqui). Como os militares usaram e abusaram desse recurso para ganhar apoio das massas, a palavra acabou ganhando caráter pejorativo, como algo que se devesse evitar a todo custo. Nesse raciocínio, todo ufanista seria, necessariamente, um defensor do país e, por extensão, do governo.

Talvez por essa, digamos, confusão vernacular, ufanismo e ufanistas andavam meio em baixa nas últimas décadas. Foram ressuscitados no governo Lula, que usou o recurso mais do que conhecido – semelhante ao de Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália, Bush nos EUA e da maioria dos governos militares na América Latina – de apelar ao patriotismo para conquistar apoio popular. Como se todos os que criticam o governo fossem antipatriotas. E assim reapareceram os ufanistas, para quem as matas brasileiras são mais verdes, o céu mais azul, blá-blá-blá…

É preciso cuidado com tais figuras. Nem sempre são apenas sinceros defensores da pátria; e quase sempre utilizam esse surrado argumento para defender apenas seus próprios interesses. Coloco nessa categoria os ardorosos apoiadores das cotas para conteúdos nacionais nos canais de TV paga, recentemente aprovadas pelo governo. Comentei o assunto aqui outro dia com o intuito de alertar leitores que eventualmente não sabem o que está por trás desse tipo de legislação – o mesmo espírito que sustentou durante anos a famigerada reserva de mercado da informática, que manteve o Brasil no atraso tecnológico do qual está dificílimo sair. E alguns leitores responderam de pronto, mostrando estarem sempre alertas.

Como já bem definiu o senador Cristóvão Buarque: por não saber resolver seus problemas de modo racional, o Brasil acabou criando meias-soluções, como é o caso das inúmeras Bolsas sociais e das cotas para negros nas universidades. A rigor, ninguém pode ser contra incentivos à produção cultural brasileira, embora as leis criadas até hoje tenham servido, muitas vezes, a perpetuar privilégios de amiguinhos do poder. Basta ver como são distribuídas as verbas de estímulo à produção de filmes, cujos beneficiários são invariavelmente os mesmos e das quais raramente prestam contas. De qualquer forma, seria ótimo que o país tivesse uma verdadeira política cultural, desde que baseada no mérito e na diversidade, não no protecionismo e no tráfico de influência.

Infelizmente, não é o caso de cotas, de qualquer natureza. Apenas para cumprir a nova lei, as programadoras deverão apelar para conteúdos de baixo custo. E, sem financiamento nem cobrança de resultados ou metas de qualidade (algo intangível no ramo cultural), mas com espaço garantido na mídia por imposição da lei, os produtores ditos “independentes” só ganharão visibilidade se usarem o esquema já adotado na maioria das TVs abertas: partir para a baixaria. Ou, se preferirem, recorrer ao velho ufanismo. Das duas formas o país sairá perdendo.

1 thought on “A volta do velho ufanismo

  1. Medida arcaica e desalentadora. Reserva de mercado pura, da qual já tivemos, em outros setores (automobilístico, informática, etc.), péssimos exemplos, que de nada contribuíram para o desenvolvimento do país. Reflexo da visão de “modernidade” dos nossos atuais “governantes”. Lamentável.

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