Todo recomeço é uma mistura de esperança e desconfiança. Ao mesmo tempo em que queremos esperar por dias melhores, frequentemente se nos abate uma certa cisma: melhores como? E por que? Cá estamos recomeçando os trabalhos, na torcida para que 2015 seja melhor do que seu antecessor – e este, para a maioria das pessoas com quem conversei nas últimas semanas, já foi tarde!

Sem querer cair na armadilha do genial Millôr Fernandes, que sempre lembrava “dias piores virão”, reabro as atividades deste blog com uma notícia que tem ares de punição, castigo até, para quem atua no setor de tecnologia. Já não bastassem as tantas carências do país no setor, eis que a presidente da República se supera, indicando para o cargo de ministro dessa área um cidadão chamado Aldo Rebelo. Ministro dos Esportes nos últimos três anos, o mínimo que se pode dizer é que o esporte brasileiro ganha muito com sua saída – não entro aqui nos méritos ou deméritos de seu sucessor.

Como este é um blog de tecnologia, prefiro me concentrar na figura do novo ministro, que como se sabe alcança essa posição graças às negociações (ou negociatas?) políticas que a presidente conduziu após ser reeleita. Acompanhei Rebelo mais de perto quando ele, na condição de deputado federal, conduziu a chamada “CPI da Bola”, que levantou uma série de denúncias sobre dirigentes de futebol, incluindo o hoje esquecido Ricardo Teixeira. Rebelo foi um dos mais ardorosos acusadores da CBF. No entanto, ao deixar o Congresso se transformou num de seus maiores aliados, aproximando-o até do ex-presidente Lula e ajudando a montar o “grande esquema” da Copa do Mundo.

Questões de caráter. Nosso novo ministro de Ciência e Tecnologia é o mesmo que, na Câmara Federal, relatou projeto de lei restringindo a proteção de áreas verdes nativas, sendo na época acusado de atuar a serviço das madeireiras. Vejam o que disse (na verdade, escreveu) sobre a questão do aquecimento global:

“Ciência não é oráculo. De verdade, não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza. Trata-se de uma formulação baseada em simulações de computador … o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo.”

Para quem duvida, eis o link em que o assunto foi esmiuçado. Enfim, temos um ministro da tecnologia que é confessamente contrário à inovação tecnológica!!! Entre os projetos de lei que apresentou na Câmara Federal, destaca-se a obrigatoriedade de traduzir todas as palavras estrangeiras usadas nos meios de comunicação brasileiros, ideia felizmente reprovada por seus colegas parlamentares. O site Gizmodo deu bom destaque ao tema (leiam aqui), mas reproduzo abaixo um trecho que sintetiza a “carreira” desse sujeito:

“Em 1994, Aldo Rebelo queria proibir que órgãos públicos se valessem de qualquer inovação tecnológica que diminuísse o uso de mão de obra humana. Por motivos óbvios, o projeto foi para o arquivo. Em 1999, Rebelo propôs um projeto cujo objetivo era diminuir o uso de estrangeirismos no Brasil: sempre que alguém fosse usar um estrangeirismo em algum meio de comunicação de massa, a tradução da palavra para o português deveria ser apresentada. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Cidadania, mas está parado e nunca foi para o plenário. Em 2000 ele queria proibir as catracas eletrônicas no transporte coletivo. O projeto foi para a gaveta de novo. Em 2001 ele queria tornar a dublagem dos filmes estrangeiros obrigatória em todos os canais abertos e fechados da televisão. Gaveta outra  vez. Ainda em 2001, ele queria que se colocasse 10% de raspa de mandioca na massa do pão francês, para fazer com que o pãozinho se tornasse mais nutritivo e ajudar a produção da mandioca, um produto nacional. Esse projeto aí Lula se deu ao trabalho de vetar pessoalmente. Rebelo sossegou por um ano e em 2003 veio com aquela história de transformar o Halloween em Dia Nacional do Saci-Pererê. Gaveta. Gaveta. Gaveta.”
Aguardemos as primeiras medidas de Sua Excelência no novo cargo.
 

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