Veterano da luta contra a ditadura militar e de eventos marcantes como o comício das Diretas Já (16 de abril de 1984, Praça da Sé, São Paulo), saí orgulhoso da Avenida Paulista neste domingo 13 de março de 2016. Passaram-se 32 anos até que a sociedade brasileira, enfim, se reencontrasse com um sentimento de revolta que é fundamental para a democracia de qualquer nação.
O que aconteceu nessas três décadas se assemelha a uma espécie curiosa de letargia. Voltamos, sim, a ter eleições diretas para presidente da República, mas elegeu-se em 1989 um dos maiores mentirosos da história. Na sequência, conseguiu-se conter o monstro da inflação (1994), o que foi saudado por quase todo mundo; e, no entanto, a estabilidade momentânea da moeda gerou certa euforia, que foi captada por um líder sindical midiático para, associado a fortíssimos setores da elite política tradicional, chegar ao comando do país (2002).
O resultado está sintetizado na crise dos últimos meses: governo e partidos políticos totalmente desacreditados, com as pessoas indo às ruas sem saber exatamente o que querem, mas manifestando vivamente aquilo que não querem. Pela primeira vez em 500 anos, os brasileiros conseguem fazer a ligação entre a corrupção e os dramas de sua rotina diária. Ficou dolorosamente claro que o dinheiro que some nos meandros de partidos, órgãos estatais e grandes empresas é o mesmo que falta em escolas, hospitais e na vergonhosa estrutura de serviços públicos.
Se houve ilusão na época em que um real equivalia a um dólar, artificialismo símbolo dos anos FHC, e quando do infeliz “espetáculo do crescimento” (Lula, 2006-2010), o amadurecimento da sociedade brasileira não deixa mais espaço a falsos milagres. O que se viu nas ruas no já célebre 17/03 foi não apenas um “basta” à corrupção, mãe de todos os descalabros perpetrados em nome do povo, mas um sonoro “xô” para práticas políticas que, desgraçadamente, nos acompanham há décadas, séculos.
Lula, Dilma e seus asseclas estão desmoralizados e talvez nem sobrevivam para disputar as eleições de 2018, mas isso não é suficiente para a maioria dos que participaram das manifestações de hoje. Quem ocupar o malcheiroso espaço deixado por eles terá de se comportar de modo muito diferente. Conchavos, que certamente continuarão existindo, estarão agora sob o olhar clínico e implacável da comunicação online. Mensagens instantâneas, compartilhamentos, selfies e até memes na prática neutralizam a ação dos políticos tradicionais. E a mídia, também ela acossada pelas novas tecnologias, já percebeu que só sobreviverá se souber se adaptar a esse mundo de pernas menos curtas.
Não, a internet não está imune à demagogia e à empulhação. Mas escancara essas práticas à enésima potência, desnudando supostos carismas e segundas intenções. Posso estar sofrendo de otimismo excessivo, e espero não ter de corrigir este comentário em futuros posts. Mas o grito das ruas agora reverbera em frequências digitais. E esse é um ótimo motivo para ter esperança.