Já sabemos que as redes sociais, especialmente o Facebook e o WhatsApp (ambos do mesmo dono), são terra fértil para notícias falsas. O fenômeno que os estudiosos estão chamando fake news desabrochou de vez com a campanha presidencial americana, mas olhando um pouco para trás veremos que nessa o Brasil foi pioneiro: nossas eleições de 2014 foram, de longe, as mais mentirosas de todos os tempos.

O problema é que, para a maioria, isso parece soar cada vez mais natural. Os fofoqueiros se digitalizaram. Perdoem a comparação. Chamavam-se “fofoqueiros” os colunistas sociais e personagens da boemia que viviam falando da vida alheia, mas esses raramente saíam do campo das frivolidades. Seu assunto preferido era a vida de artistas que, aliás, adoravam ser citados mesmo quando as notícias não eram exatamente verdadeiras. Mas aí vieram os marqueteiros políticos. E hoje está tudo dominado.

Anos atrás, anúncios de uma marca brasileira de sorvetes contavam a história da empresa, cujas saborosas receitas incluíam ingredientes refinadíssimos, todos importados, seguindo uma tradição do fundador, um simpático camponês italiano do início do século passado. Até que, meio sem querer, o atual dono revelou a uma jornalista que era tudo fake – a história fora inventada por um famoso publicitário para “dar um charme” ao produto.

Não sei se os apreciadores dos tais sorvetes deram importância à fraude, mas esta, quando muito, deve ter deixado gosto amargo na boca de alguns. Terrivelmente mais danosas são as notícias “criadas” para eleger um político sem escrúpulos, denegrir a imagem de uma empresa ou pessoa, encobrir falcatruas de empresários poderosos ou acobertar crimes. Já escrevi (aqui, por exemplo) que ninguém é obrigado a acreditar no que lê; ao contrário, deve desconfiar e, sempre que possível, confrontar as fontes.

Por mais que seja divertido repassar aos amigos as novidades, principalmente quando se pode adicionar pitadas de opinião (ou suposição) pessoal, basta assistir a um telejornal ou ver um site de notícias para perceber que esse esporte hoje é muito perigoso. Tomo a liberdade de reproduzir abaixo trechos de uma reportagem do The Wall Street Journal, publicada nesta quinta-feira, sob o título “Notícias falsas são financiadas pelas grandes marcas”.

Começa com esta pérola: “Yoko Ono diz que nos anos 70 teve um caso com Hillary Clinton”. A informação saiu meses atrás num site chamado World News Daily Report. Ganhou manchete. Junto, um grande anúncio da Fiat Chrysler, de olho nos milhões de pageviews que a “notícia” certamente ira produzir. O jornal cita esse entre vários exemplos de fake news produzidos pela assessoria do candidato Donald Trump, cujo marketing foi quase todo baseado no “falem mal, mas falem de mim”. Trump ganhou espaço em todas as mídias com suas frases grosseiras, acusações descabidas, exibições de preconceito, machismo e um enorme etc. Eram falsidades bem pensadas.

Tornaram-se usuais anúncios de empresas respeitadas colados a informações inventadas, graças aos malfadados algoritmos: a empresa compra o espaço sem saber exatamente quando nem como sua mensagem irá aparecer. As agências de publicidade revelam não ter como interferir no processo, comandado pelos dois gigantes atuais da mídia: Google e Facebook. Ambos anunciaram na semana passada que estão desenvolvendo meios de bloquear anúncios em sites mentirosos ou que distorcem informações. Mas, quem acredita?

Especialistas consultados pelo WSJ admitem que será difícil encontrar uma saída que agrade a todos. A própria complexidade da publicidade online já torna a missão ingrata. “Talvez os anunciantes nem saibam, ou talvez nem queiram saber”, resume Dan Greenberg, que dirige a agência de marketing digital Sharethrough. Ele é um dos que defendem iniciativas como boicotar sites baseados em fake news, ou que divulguem mensagens de ódio político, preconceito ou pornografia.

Só que, da forma como está estruturada hoje, a mídia online (leia-se: jornalismo, publicidade, RP e marketing) envolve uma vasta cadeia de participantes interdependentes. E, embora estejamos falando de “comunicação digital”, combater esses e outros desvios é algo que só pode ser executado por seres humanos, cada um com seus respectivos pré-conceitos.

Além do mais, como avalia John Lemp, da agência Revcontent, há muita gente ganhando dinheiro com esse tipo de conteúdo. “O sensacionalismo sempre fez parte do jornalismo”, resume.

Para ler o artigo original do WSJ, clique aqui.

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