Nunca escrevi sob o impacto de uma notícia tão triste que acabou de chegar: Rubens Ewald Filho morreu agora à tarde. Segurem-se, devo a ele um tributo. Ninguém jamais poderá substituí-lo. Ninguém que eu conheça gostava mais de filmes. E, posso afirmar, ninguém viu tantos quanto ele. Mais de 40 mil ao longo de seis décadas, sendo que grande parte deles numa tela de cinema, lugar onde se sentia mais à vontade.

Conheci Rubinho nos anos 1970, quando ele já brilhava no jornalismo impresso. Tinha sido pioneiro pela primeira vez em 1968, ao escrever no Jornal da Tarde (SP) uma coluna intitulada “Os Filmes de Hoje na Tevê”, assim mesmo “Tevê”, e não o tradicional “TV”. Foi ali que muitos da minha geração aprendemos a ver filmes, lendo seus comentários sobre tudo que passava em nossas telinhas branco e preto.

Foi com ele também que aprendi uma lição que só me fez bem. Quando não tinha visto um filme (e isso era raro), Rubens ia atrás. Não tinha preguiça de pesquisar, numa época sem internet. E não descansava até descobrir. Nunca escrevia de orelhada. Gastava boa parte de seu salário em livros e revistas sobre cinema – importados, já que não existiam em português. Sua biblioteca era invejável e – outra lição – muito eclética: ia de Hollywood a Bollywood, dos japoneses aos neo-realistas italianos, dos film-noirs aos bangue-bangues, de Bergman a Mazzaropi. Abaixo os preconceitos!

O destino nos colocou lado a lado em 1982, quando Rubens criou a revista Video News, realizando seu sonho de uma publicação brasileira sobre filmes. Não propriamente cinema, mas filmes, em todos os formatos e suportes físicos disponíveis. Foi a seu lado que assisti pela primeira vez um laserdisc. E dezenas de vezes rebobinamos fitas VHS para rever detalhes de cenas.

Durante mais de dez anos, trabalhamos junto a uma equipe que aprendeu com Rubinho a paixão pelo cinema. Claro, só ele assistia a dois ou três filmes por dia, cota mínima que se autoimpôs para dar conta da enorme quantidade de lançamentos que começaram a surgir na era do videocassete. Sou testemunha que ele às vezes assistia três ao mesmo tempo; para isso, era o único que tinha em casa três equipamentos diferentes.

Sem falar nas “cabines”, sessões privadas para jornalistas nas pré-estreias do cinema. E nas viagens: Rubens ia regularmente aos grandes festivais internacionais e voltava carregado de livros, posters, fitas, discos e tudo mais que encontrava sobre sua paixão. Quando chegava a Nova York, Los Angeles, Cannes, Berlim ou Veneza, não se limitava a ver os filmes das mostras oficiais; saía sozinho à procura de cinemas comuns, para ver o que exibiam. E quando viajava de férias, seu passatempo principal era… ir ao cinema.

Seguindo um hábito da adolescência, carregava um caderno onde anotava tudo que assistia, com detalhes sobre elenco, diretor, fotografia. Se publicasse em livro, o título apropriado seria “Diário de um fã de cinema”.

Nos anos 80, editamos juntos seus famosos Guias de Filmes, em formato de bolso, cada um com centenas de verbetes que Rubens muitas vezes escrevia em minutos, usando as informações do verdadeiro “google” que tinha na cabeça. Nos 90, o primeiro “Guia do DVD”,  e na virada do milênio outra grande sacada dele: guias sobre os melhores do século 20, em que reescreveu sobre filmes que assistira ainda adolescente. Entre eles, “Os 100 Maiores Cineastas”, ensaio para sua obra definitiva, o “Dicionário dos Cineastas” (2002), cuja primeira edição fora lançada em 1977.

Suas resenhas eram quase aulas, as fichas técnicas completas, detalhadas, fazendo jus a uma de suas profissões (Historiador). Raramente errava. E, por ter sido ator, roteirista, coprodutor e diretor de cinema (e também de teatro), sabia o que estava falando. Não é exagero afirmar que todos os que escrevem (e falam) sobre cinema hoje na mídia devem algo a ele, embora nem todos o admitam. 

Sua carreira de mais de 30 anos apresentando as cerimônias do Oscar – primeiro na Globo, depois SBT e TNT – o transformou em celebridade, algo que ele curtia mas nunca levou muito a sério. Até vir o choque: ser afastado do Oscar pela Turner no ano passado, sem explicações (porque não havia), deve ter doído muito.

Ao longo das três décadas, era no Oscar que Rubens revelava até onde ia sua paixão cinéfila: comentava ao vivo as atrações das festas, identificando de improviso cenas de filmes antigos, nomes de atores e atrizes e detalhes que sua prodigiosa memória jamais deletou. Quero ver agora contratarem alguém capaz dessas proezas.

10 thoughts on “Ensinando a paixão pelos filmes

  1. Uma perda enorme, irreparável. Não sabia que o Rubens havia criado a Video News, revista que tanto adorava em minha adolescência. E os guias de filmes, todos muitos bons. É hora de obte-los de novo! Sinto pela perda não só desta mente brilhante, mas também por você, pela sua perda, um amigo de tantos, Orlando. Abraços

  2. Uma pena que aquela ideia que tínhamos de entrevistar ele não vingou…
    É uma perda irreparável.

  3. Além de todo o conhecimento incrível, o Rubens era também bastante generoso e gentil. Eu o conheci em uma reunião de final de ano da HOME THEATER, você me apresentou a ele. O Rubens foi muito atencioso e trocamos e-mails e nos correspondemos por algum tempo. Aprendi um pouco com ele, que teve a generosidade de compartilhar um pouco de seu vasto saber. Sua partida representa uma grande perda.

  4. Desculpe, não consegui identificar seu nome, mas muito obrigado por esse “presente”, que me deixou emocionado. Tenho certeza de que o Rubinho ficaria também. Isso foi há 30 anos… Todos que não viveram aquela época podem perceber a quantidade de informações que ele trazia, com seu enciclopédico conhecimento cinematográfico. Não tenho como baixar, né? Abs.

  5. Luciano, meu caro, você por aqui!!! Para quem não sabe, Luciano foi uma espécie de “sucessor” de Rubens na HOME THEATER dos primeiros anos. Outro grande conhecedor de cinema e vídeo. Salve, meu velho colega e amigo. Abs.

  6. Pois é, Julio, ainda tínhamos uns planos para realizar juntos. Mas não deu tempo. Obrigado pelas palavras. Abs.

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