Em meio ao caos climático – mistura de interesses escusos com crime organizado e descaso dos políticos e da sociedade em geral -, o Brasil está diante de uma dilema estratégico: apoiar ou não as energias renováveis. Há tempos vem sendo divulgado na mídia, e também já reportamos aqui, o crescimento astronômico da energia solar, com o país ranqueado entre os campeões mundiais da modalidade. À primeira vista, parece um sonho: energia limpa, barata e abundante para nos colocar no Primeiro Mundo. Quem dera as coisas fossem assim tão simples…

Quando, em 2013, caíram quase todas as barreiras à importação de painéis e geradores solares, a medida foi saudada como inovadora. Não explicaram à sociedade que, para manter os subsídios envolvidos, era preciso cobrar mais de quem usa as fontes de energia tradicionais – ou seja, da maioria (vejam este post). O aumento nas tarifas, que se acentua com a subida da inflação, as estocadas do dólar e secas longas como a atual, é causado basicamente por dois fatores: a elevada carga tributária e os subsídios às energias limpas.

Segundo a Aneel, este ano os brasileiros pagarão, embutidos em suas contas de luz mensais, mais de R$ 35,2 bilhões em subsídios para que o governo financie fontes renováveis. A pergunta que muitos se fazem é se esse esforço vale a pena, considerando a forma como se produz e se vende energia no Brasil.

Energia solar por assinatura

Semana passada, por exemplo, o Senado tentou aumentar a distorção estendendo de 12 para 30 meses o prazo para execução de projetos subsidiados de energia solar. Houve gritaria de várias entidades, denunciando que o projeto faria subir as tarifas e só beneficiaria os donos das chamadas “fazendas solares”. Estas são largos espaços no campo, cobertos por painéis voltaicos cuja produção é vendida a grandes empresas consumidoras (principalmente bancos, redes varejistas e setores do agro) – aqui, os detalhes.

Essas fazendas, aliás, já são apontadas por órgãos de investigação como causadoras de mais problemas. Após um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), a Aneel decidiu aumentar a fiscalização sobre empresas que oferecem “energia solar por assinatura”. Grandes grupos como Cemig, Reenergia e Raízen são acusados de enganar os consumidores prometendo reduzir suas despesas mensais com energia, quando na verdade somente alguns são beneficiados.

No esquema – que alguns comparam ao dos serviços de streaming – o consumidor não precisa investir em painéis de captação solar: basta fazer uma assinatura que sua casa passa a ser enquadrada no sistema de geração distribuída. A energia gerada pela “fazenda” vai para a concessionária, que passa a cobrar menos do usuário. Detalhe: o usuário não precisa fazer nada, apenas comprar sua assinatura mensal junto a uma empresa representante da fazenda (vejam aqui).

TCU contra o “gato solar”

Não se explica o que acontece, por exemplo, em caso de falta de energia no bairro onde resida o assinante. Já existem, segundo a Aneel, cerca de 362 mil residências recebendo energia dessa forma, e vários grupos têm anunciado investimentos altos na nova modalidade. O TCU desconfiou de que pode haver aí uma espécie de “gato solar”, o que seria mais uma grande invenção brasileira; e agora há o risco de serem desfeitos os contratos de assinatura em vigor. Na prática, esses 362 mil assinantes estão recebendo subsídios pagos pelos demais.

Deve começar uma batalha jurídica em torno do assunto. No fundo, é o país tendo que decidir se quer mesmo incentivar as energias limpas, que por enquanto beneficiam apenas uma minoria prejudicando quem é obrigado a utilizar as tradicionais. Através de lobbies variados, movem-se contra a energia solar os segmentos de hidrelétricas, usinas de carvão e petróleo, com medo de perder mercado. Como mostra o polêmico projeto de perfuração de poços de petróleo na Amazônia, defendido pelo governo Lula.

Mais um caso em que a ganância de alguns, somada à falta de planejamento e de transparência dos governos, pode comprometer um presente que o país ganhou da natureza.

 

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