No momento em que se discute a redução da jornada, com alguns setores propondo passar do tradicional 6×1 (6 dias de trabalho para 1 de folga) para 4×3, e outros admitindo que 5×2 já seria OK, vale a pena refletir sobre o novo Ranking Mundial de Competitividade Digital. Produzida pelo IMD (International Institute for Management Development) em parceria com a FDC (Fundação Dom Cabral), a classificação é baseada na análise de 67 países, utilizando parâmetros como oferta de financiamento em tecnologia e pesquisa científica, ambiente regulatório, retenção de talentos, conectividade e investimento em segurança cibernética.

Sim, o tema é complexo. E, como em tantos outros comparativos internacionais, a posição do Brasil – considerando sua importância econômica – é quase vexatória. Nessa nova atualização do ranking, ficamos num modestíssimo 62º lugar, abaixo até de países africanos. O ranking pode ser consultado neste link, mas, apenas para dar uma ideia do abismo, aparecem à frente do Brasil países como Mongólia, Colômbia, Botswana, Jordânia e Chipre!

Segundo Hugo Tadeu, diretor do núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da FDC e um dos coordenadores da pesquisa, o Brasil gasta muito em tecnologia, mas não da forma adequada, e não exporta conhecimento: “Temos problemas estruturantes nas empresas e no governo, o que nos faz comprar tecnologia em vez de produzir”, diz ele, citando a falta de um plano de Estado para educação com foco na formação técnica, algo já incorporado nos países que lideram o ranking mundial de competitividade.

Não é mero acaso que nações como Singapura, Irlanda, Holanda e Tailândia, que estão entre as primeiras da lista (ao lado dos escandinavos e de gigantes como EUA, China e Alemanha), vêm adotando políticas de longo prazo com prioridade à criação de infraestrutura digital e qualificação da mão-de-obra, visando ampliar sua produtividade (mais detalhes aqui).

Combatendo a desigualdade, via produtividade

Essa é a palavra que deveria ser levada em conta na discussão sobre a jornada 6×1: PRODUTIVIDADE. Num país tão atrasado e desigual, chega a ser ofensivo pensar em reduzir o tempo que as pessoas gastam trabalhando, quando ainda há tanto por ser feito. Se a jornada 4×3 é adotada em países como Finlândia e Nova Zelândia, que têm populações minúsculas e onde quase todos os problemas de infraestrutura já foram solucionados, essa não pode ser uma meta para o Brasil, com graves deficiências em itens básicos como transportes, energia, saúde, saneamento etc.

O atual projeto de lei que propõe a mudança me parece mais uma digressão, meramente ideológica, daquilo que mais interessa e preocupa (ou deveria preocupar): diminuir a obscena desigualdade na sociedade brasileira. Certamente, um problema que não será resolvido reduzindo o tempo que cada um dedica ao trabalho. Ao contrário, é urgente que cada um aumente sua produtividade (como mostramos aqui) e a qualidade de seu trabalho para que todos sejam melhor remunerados.

Já li o argumento de que o trabalhador brasileiro precisa ter mais tempo livre para poder estudar e aprimorar seu desempenho profissional. A prática tem mostrado, no entanto, que a maioria utiliza o tempo fora do trabalho para… isso mesmo, procurar mais trabalho, ainda que na forma de bicos, e assim complementar sua renda. Basta perguntar a tantos que se aventuram em atividades como motorista de aplicativo, por exemplo.

O aperfeiçoamento técnico, caminho para o aumento da produtividade e a consequente valorização do profissional, raramente é a primeira opção do trabalhador, especialmente daqueles mais pobres, com ou sem tempo livre. Deveria ser parte de uma política de Estado, obrigatória nas empresas, talvez na forma de PPPs. Sim, é uma tarefa ambiciosa, e que exige esforços tanto dos trabalhadores quanto das empresas e dos governos. Qualquer discussão séria precisa levar isso em conta. Caso contrário, a redução linear da jornada só terá como consequência o aumento do desemprego.

 

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