Num interessante levantamento, o site do jornal Meio & Mensagem, voltado ao mercado publicitário, mostrou esta semana em detalhes o fenômeno da ocupação das emissoras de TV pelas igrejas. Embora a televisão seja um serviço público e, pela Constituição, o Estado brasileiro seja laico, é cada vez mais extenso o horário destinado nas redes a programas religiosos. Na verdade, são horários “alugados” a entes como a Igreja Internacional da Graça de Deus (aquela do missionário R.R.Soares), a Assembleia de Deus Vitória em Cristo e – mais famosa delas – a Universal do Reino de Deus, dona da Rede Record, segunda do país em audiência.

Segundo o site, a RedeTV tem hoje 49,16% de seu espaço negociado com igrejas e serviços de televendas, num flagrante desrespeito à Constituição. Outras campeãs no quesito são a Bandeirantes, onde reina R.R.Soares, e a Rede Vida, custeada por entidades católicas. O levantamento foi feito a propósito da atual crise financeira da Rede TV, que vem atrasando até o pagamento de funcionários e prestadores de serviço, e acaba de perder (para a Band) seu programa de maior audiência e faturamento, o Pânico na TV. Mas esse é apenas um detalhe circunstancial da situação a que chegou a televisão brasileira, com a conivência do governo federal e de seus órgãos que fiscalização.

No momento em que produtores de vídeo e cinema ditos “independentes” conseguem abocanhar poderes sobre as operadoras de TV fechada, é um escândalo que ninguém se manifeste a respeito do que ocorre na TV aberta. O Meio & Mensagem foi ouvir especialistas, e de suas manifestações chega-se à conclusão de que, com perdão do trocadilho, “não há salvação”. A deputada Luiza Erunida, por exemplo, que faz parte da Comissão de Ciência, Tecnologia, Informática e Comunicação da Câmara Federal, relata que todas as vezes em que tentou debater o assunto foi sabotada pelos parlamentares da bancada evangélica. Claro, eles estão lá exatamente para facilitar o desrespeito à Constituição, e – como se vê em todo ano eleitoral – seu poder de influência jamais pode ser subestimado.

Mesmo o PT e os sindicatos que defendem a chamada “regulação da mídia” não ousam tocar nesse tema. Seu discurso é de que é preciso conter a “ditadura dos grandes grupos de comunicação”, eufemismo que usam para identificar editoras e emissoras que criticam o governo e denunciam seus escândalos (na verdade, referem-se de forma recorrente à Rede Globo, Estadão, Folha de São Paulo e a algumas revistas da Editora Abril). Nenhuma palavra sobre a ação das igrejas, da qual só escapam, hoje, justamente os maiores grupos de mídia.

Curioso é pensar que, pelos novos critérios da Ancine, as igrejas, com suas enormes estruturas de produção, também já podem ser classificadas como “produtoras independentes”. O que aconteceria se as operadoras de TV paga começassem a incluir programas religiosos em suas grades, só para cumprir a nova lei?

Como se vê, esse é um debate escorregadio. E no qual nem todos são os anjos que querem se fazer parecer.

1 thought on “A fé que cheira mal…

  1. Orlando…. eu acho que você nunca mais deveria “dar idéia” às igrejas… porque grana para comprar estas grades não falta. O que as impediria de criarem programas e passarem em canais fechados ou mesmo propor a criação de um canal apenas disto nas NET, Sky e etc??? Pé-de-pato mangalô treiz veiz! (sic).

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