Direito autoral sempre foi assunto polêmico no Brasil. Desde criança ouço falar de compositores que são roubados, a ponto de alguns morrerem pobres apesar de terem feito sucesso. O governo nunca se preocupou com isso, tanto que não existe no país um órgão oficial responsável pela fiscalização. O que temos é uma entidade privada chamada Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), apoiada por alguns artistas e gravadoras, que faz esse papel. Foi criado em 1973 – o próprio site já é suspeito, ao afirmar que a entidade “foi instituída pela lei federal”; como é possível uma lei instituir uma entidade privada?

Deixando essa, talvez, formalidade de lado, o Ecad está sendo protagonista de mais uma série de denúncias escabrosas, que o jornal O Globo coletou e publicou em detalhes há algumas semanas. É uma série impressionante de delitos que, num país sério, colocariam os responsáveis sumariamente na cadeia. Curiosamente, surgiram após investigação de repórteres do jornal, a propósito de uma esdrúxula medida tomada pelo Ecad: cobrar direitos autorais de todos os sites que reproduzem vídeos musicais a partir do YouTube. O blog Caligraffiti recebeu cobrança no valor de R$ 352,29 e decidiu denunciá-la. A ameaça aos sites e blogs teve repercussão internacional, pois jamais alguém teve tal ousadia. Consultada, a Google Inc., proprietária do YouTube, informou que já recolhe os direitos de todos os materiais ali exibidos e que, portanto, qualquer site é livre para reproduzi-los (aliás, é disso que vive a altíssima audiência do YouTube).

O músico Leoni resumiu bem a situação e a postura dos responsáveis: “O Ecad às vezes atua como batedor de carteira. Onde tiver dinheiro, vai buscar um pouco mais. Não é isso que os autores querem. Queremos nosso dinheiro, mas não achacar a população”.

As “batidas de carteira” obedecem aos golpes mais inusitados. Segundo o caderno Link, do Estadão, a webdesigner Mariana Frioli, que de vez em quando coloca vídeos e trechos de filmes em seu site, também recebeu cobrança de R$ 352,59 – através de ligação de alguém que se identificou como “estagiário do Ecad”. O compositor Antonio Remo Usai, autor de trilhas sonoras de filmes, moveu ação judicial contra o Ecad em 1983 por nunca ter recebido seus direitos. Agora, quase 30 anos depois, ganhou a ação que lhe permite receber indenização de R$ 3,5 milhões; o Ecad promete recorrer.

O caso mais absurdo, porém, foi o da advogada carioca Kadja Brandão. Ao se casar, em fevereiro de 2010, ela contratou um DJ para tocar músicas em sua festa. Na véspera, recebeu do Ecad um boleto no valor de R$ 1.875. Inconformada, recorreu à Justiça para ser reembolsada, e agora obteve a vitória (o Ecad também pretende recorrer). O que mais chamou a atenção de Kadja é que a cobrança veio independente da quantidade ou dos títulos de músicas que ela pretendia tocar na festa. “Eles nem explicaram a que se referia o valor”, conta ela, que veio a descobrir mais tarde: é “normal” a cobrança, como percentual pelo uso do espaço onde a festa aconteceu.

O site do Ecad enumera músicos e músicas cadastrados, passíveis da cobrança de direito autoral. Lista também os endereços de suas sedes, em várias cidades, onde os interessados podem procurar orientação. Só não informa quais e quantos artistas de fato recebem seus direitos; muitos destes, por sua vez, aceitam passivamente a situação, em troca de alguns caraminguás de vez em quando.

Como diz lá o nosso amigo Leoni, é mesmo coisa de assaltante. Quando você for ameaçado, o jeito é chamar a polícia.

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