E lá se foi Chico Anysio, o homem que fez o Brasil inteiro sorrir – muitas vezes gargalhar – durante mais de 60 anos. Juntou-se a Ronald Golias, Costinha, José Vasconcelos, Grande Otelo, Oscarito, Renato Corte Real, Dercy Gonçalves, Nair Bello e tantos outros gênios da comunicação que este país produziu, e que agora fazem os anjos rirem no céu. Quando Vasconcelos nos deixou, em outubro, comentei aqui que ele tinha sido o “pai” da comédia stand-up, hoje tão na moda. Pois Chico, que começou no rádio em 1947 e na televisão em 1957, foi pai e inspirador de todos os comediantes e humoristas que surgiram depois, especialmente os de rádio, televisão e cinema – embora também tenha escrito livros e roteiros para filmes.
Muitos esqueceram, mas Chico Anysio estava entre os desbravadores da televisão brasileira, nos anos 1950, quando todos os programas eram ao vivo. Primeiro na TV Rio, depois na Excelsior, Record e Globo, ajudou a criar o que se tornaria a linguagem da televisão brasileira, com sensibilidade e criatividade incomuns. Seu “Chico Anysio Show”, que passou pelas quatro emissoras, foi o primeiro programa todo escrito e produzido em torno de um único artista. Embora isso fosse usual na TV americana (houve “Frank Sinatra Show”, “Ed Sullivan Show” e assim por diante), aqui – além das dificuldades técnicas – o talento de Chico permitiu que tivéssemos semanalmente uma hora de quadros humorísticos escritos e desenhados por ele e estrelados por seus personagens. Foram mais de 200 ao longo de sua carreira.
Outro feito memorável: Chico Anysio foi um dos introdutores, no Brasil, do video-tape, invenção alemã-americana dos anos 50 que lhe permitiu enriquecer ainda mais seu Show. Lembro de, quando criança, assistir embevecido àquele desfile eletrizante de gags que misturavam genialmente texto, gestos, expressões faciais, figurinos, cenários e um timing inacreditável. Com a possibilidade de gravar os quadros, Chico aperfeiçoou ainda mais a sua técnica e o domínio que já tinha da câmera. Vários artistas que trabalharam com ele contam proezas de que era capaz, como gravar um programa inteiro (dez ou doze quadros) numa única tarde, mudando apenas a roupa e a maquiagem – além, é claro, de seu infindável arsenal de vozes, que lhe propiciaram algumas das melhores imitações já vistas.
Segundo Daniel Filho, grande diretor de TV e cinema, Chico Anysio era o melhor ator brasileiro, elogio que, para um comediante, vale em dobro. Tenho saudades também de seus quadros para o “Fantástico”, entre 1974 e 1991, no puro esquema stand-up: apenas ele e a câmera, sem truques visuais, efeitos, edição, nada. Durante cerca de 5 minutos, Chico contava histórias ao telespectador, aproveitando assuntos da hora, com dicção e entonação perfeitas. Conseguia ser sério, quando queria, mas era mesmo insuperável nas tiradas cômicas, nesse caso sem a “ajuda” de seus personagens.
Enfim, vai-se um artista que fez parte de quase toda a minha vida, assim como de alguns de meus melhores amigos, e isso não é pouca coisa. Como Golias, Otelo e Vasconcelos, não precisava de palavrões, ofensas nem apelações para ser engraçado. No site da TV Globo, seu amigo e ex-diretor da emissora, Boni, diz: “Acho que será muito difícil que o Brasil venha a ter um dia, no campo do humor, alguém que possa sequer ser semelhante ao Chico”. Peço então licença aos mestres para discordar: nunca houve, nem aqui nem em qualquer país, e provavelmente nunca haverá, um artista como ele. Ouso dizer que só Chaplin, e mesmo assim cabeça a cabeça. Tivesse nascido americano, ninguém contestaria que Chico foi o maior de todos.
Para quem por acaso ache que estou exagerando, ou quem não tenha conhecido o trabalho de Chico Anysio (afinal, ele estava afastado da televisão há anos), este link traz uma compilação de seus personagens mais famosos. Aliás, a Globo prepara para este sábado à noite um programa especial sobre Chico. E este outro link conta sua trajetória desde a infância em Maranguape (Ceará), onde nasceu e aprendeu a ler sozinho. Acreditem: o homem era mesmo um fenômeno.