Claustrofóbico assumido e convicto, tenho por hábito evitar lugares fechados. Mais ainda quando há muita gente, música em alto volume e pouca iluminação. Baladas, portanto, não são o meu forte (meninas, não insistam, por favor). Aquilo que chamam de “casas noturnas”, e que na minha juventude se dizia “boates” (alguns jornais até escreviam boites, assim mesmo, em francês), a estas só vou muito raramente, mais para estar junto com amigos. Aliás, vivendo em São Paulo, as dificuldades de locomoção, estacionamento, atendimento e um longuíssimo etc. tornam essas oportunidades cada vez menos comuns.

Sou, portanto, altamente suspeito para analisar a tragédia de Santa Maria. Não me entra na cabeça que alguém caia numa armadilha como essa tal de Kiss, que pelas descrições divulgadas nada tem de romântica – parece estar mais para… bem, isso mesmo: uma armadilha. Ainda mais pagando! Os tais 900 ou 1.000 jovens que lá estavam naquela noite fatídica deviam saber que algo está errado num lugar onde todo mundo fica espremido e há apenas uma porta para entrar e sair.

Mas nada disso autoriza a se chamar o que aconteceu de “acidente”. Que tal “imprudência”, “descaso”, “irresponsabilidade”, “ganância”, talvez tudo isso combinado, numa trágica síntese do velho e tão cultuado jeitinho brasileiro? Em se tratando de seres humanos cujas vidas corriam risco, a única definição que me ocorre é: CRIME. Do prefeito? Do governador? Dos proprietários? Do Papa? Sei lá, o fato é que as culpas podem perfeitamente ser distribuídas, em maior ou menor escala, a vários destinatários, ainda que todos (todos mesmo) estejam se esquivando. É mais um velho hábito brasileiro: jogar a culpa nos outros.

Já escrevi aqui sobre a questão das punições e como estas são encaradas no Brasil. Não é um problema deste ou daquele governo, é algo que transcende a política e as ideologias. Os países civilizados já aprenderam há séculos que leis existem para serem cumpridas por todos, do presidente ao mais humilde morador de rua (ah! sim, ex-presidentes também). Quando alguém descumpre, deve receber uma pena. Não porque mereça castigo, embora em muitos casos, talvez a maioria, essa seja uma boa justificativa. Mas, a meu ver mais importante, para que a punição sirva de exemplo. Dessa forma, outros que se sentirem tentados a cometer o mesmo erro irão pensar antes duas, três, dez vezes.

Simples assim. Quantos de nós já não estivemos em locais similares à Kiss? Apenas, demos a sorte de não estar em Santa Maria na noite do último sábado… Os donos da boate, diz o noticiário, estão presos, assim como dois integrantes da banda que cometeu o desatino de soltar fogo num local fechado. Com a repercussão do caso, talvez fiquem atrás das grades por algum tempo (duvido). Mas, e daí? Fiscais, prefeitos, secretários, governadores e presidentes irão aproveitar o ensejo para, pelo menos, dar uma cara de civilidade a este país? Duvido mais ainda.

Um amigo, dono de casa noturna em São Paulo, me conta que há seis anos – leiam de novo: seis anos – pediu alvará à Prefeitura e esta simplesmente não mandou ninguém para fazer a necessária vistoria. O pedido está lá, protocolado, mas a administração da maior cidade brasileira não cumpre a sua obrigação (nesse período, a cidade já teve três prefeitos, contando o que acabou de assumir). O mesmo acontece em prédios residenciais, parques de diversão, bares, restaurantes e “baladas” por todo o país.

Não sei por que, mas quando vou a lugares fechados em outros países não me vem aquele medo. Acidentes acontecem em todo o mundo. Acidentes. Crimes como o de Santa Maria são como a jabuticaba, um produto bem brasileiro.

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