Há cerca de duas semanas, conversamos com Luiz Fausto, o engenheiro que coordena o grupo encarregado de definir as normas do futuro padrão brasileiro de televisão (a chamada TV 3.0). Como se sabe, o Brasil utiliza atualmente o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), lançado em 2006. Alguns países – EUA, Japão, Coreia do Sul, Reino Unido – já entraram na era da NextGen TV (“TV da próxima geração”), o outro nome genérico utilizado.

Como ocorreu no caso do SBTVD, a troca de um padrão de transmissão é um processo necessariamente lento e cauteloso, que precisa ser regulamentado e normatizado. “Mudanças no serviço de telecom são mais simples”, compara Fausto. “É um serviço privado, a operadora ganha uma licença e pode utilizar a tecnologia que quiser. Na radiodifusão, é necessário um arcabouço de normas técnicas que devem ser seguidas por todas as empresas, tanto emissoras quanto fabricantes, desenvolvedores etc. E são normas que têm um ciclo de vida mais longo. Afinal, você não troca de TV com a mesma frequência com que troca de celular”.

Na entrevista, que pode ser lida aqui, Fausto explica em detalhes esse longo caminho, que teve início com a formação do grupo técnico dentro do Fórum SBTVD. Entre julho e novembro do ano passado, foram feitos os primeiros testes de campo e de laboratório, envolvendo sete universidades e contando com a participação de especialistas da indústria, governo e emissoras. O relatório com os resultados dos testes é aberto ao público (pode ser encontrado no site do Fórum).

Um ponto importante é que esse trabalho coordenado permite evitar erros que foram cometidos durante a implantação da TV Digital, como todos se lembram e acompanhamos desde 2008 aqui no blog (confiram). Na época, nem existia o Fórum como estruturado hoje, e na prática não havia uma entidade responsável pelo projeto. Desta vez, o país tem tudo para ver implantado o novo padrão em prazo mais curto e sem os problemas técnicos que vimos no passado.

Outra característica que distingue a TV 3.0 da TVD é que o Brasil não está seguindo um “modelo pronto”, como na época foi o japonês ISDB. Lembro bem da polêmica. Chegou-se a ventilar que a Rede Globo estaria forçando a adoção do padrão japonês porque tinha sociedade com a NEC… Desta vez, foram recebidas propostas de todos os países onde a TV 3.0 já é realidade: ATSC (EUA), DiBEG (Europa) e até do DTNEL (China). Empresas e instituições técnicas de várias nacionalidades enviaram sugestões: Fraunhofer (Alemanha), Philips (Holanda), Dolby (EUA), só para citar as mais conhecidas.

“O que fizemos foi um mix de todas as tecnologias disponíveis”, explica Fausto. “Todas foram testadas, algumas já estão aprovadas, e assim achamos que conseguiremos ter um padrão muito avançado e adequado à realidade brasileira”. Segundo ele, a ideia é que a TV 3.0 seja mais parecida com um serviço de internet, permitindo comutar conteúdos de fontes diversas, combiná-los e levar ao telespectador sempre a mesma qualidade de áudio e vídeo.

Já está decidido, por exemplo, que o serviço comportará a transmissão de sinais 4K e até 8K, incluindo HDR, graças a uma tecnologia chamada DRE (Dynamic Resolution Encoding): o sinal é separado em segmentos de 2 segundos, e cada segmento é analisado em termos de pixels e bits. “Pode parecer estranho, mas há casos em que é melhor usar resolução mais baixa para ter melhor qualidade de imagem”, diz Fausto, explicando que isso tem a ver com a forma como o sinal é transportado. “Os serviços de streaming já fazem isso hoje, gerenciando a quantidade de megabits conforme o tipo de sinal e as condições da rede”.

Bem, esse é só um exemplo. Confiram outros na entrevista. Se bem planejada e gerenciada, a TV 3.0 tem potencial para melhorar substancialmente o acesso a informação e lazer, seja com sua TV de tela grande ou quando estiver em trânsito, usando a telinha do celular.

5 thoughts on “Para entender a TV 3.0

  1. O modelo 3.0 trará melhorias em áudio e vídeo para os serviços de streaming como Netflix e afins ?

  2. Olá Marta, não sei se entendi sua pergunta. Os serviços de streaming são privados e independentes, cada empresa é responsável pela qualidade. O padrão 3.0 se refere às transmissões das emissoras, que poderão enviar o sinal tanto pelo ar (como é hoje) quanto pela internet (padrão IP). O receptor do usuário (TV, computador ou dispositivo móvel) fará a combinação dos sinais para entregar a melhor qualidade de som e imagem. A diferença para o padrão atual é que o acesso pela tela será mais parecido com o modo como acessamos hoje Netflix e demais serviços de streaming. Abs.

  3. Olá Augusto. Sim, todos os TVs terão de ser conectados à internet.

  4. “Sistema Brasileiro de Televisão Digital”… Nacionalismo barato esse… O sistema usado no Brasil é japonês (com aplicação de algumas tecnologias de outros países), a única coisa de “brasileiro” nele foi o inútil software (middleware) Ginga. Insistir em chamá-lo por esse nome “sistema brasileiro” inventado pelo g*verno só serve para confundir e atrapalhar. O sistema é o japones ISDB-t, não é brasileiro coisa nenhuma (mesmo o que foi modificado para funcionar aqui usa tecnologia de outros países).

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