Não fosse pelas fantásticas manifestações populares das últimas duas semanas, parlamentares e diplomatas brasileiros já teriam oficializado o confronto contra a Amazon.com. A maior loja virtual do planeta é acusada de atentar “contra os interesses do país” ao pedir o registro do domínio “amazon” na internet. Segundo divulgado pela Agência Brasil, suas excelências têm não só o apoio do governo brasileiro como também de pelo menos um país sul-americano, o Peru. O conceito é de que, como a Amazônia (Amazon, em inglês) ocupa seus territórios, nenhuma empresa particular pode fazer uso do nome sem autorização dos dois países.

Parece uma grande bobagem, mas não é. Tecnicamente, quem concede o registro é a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), entidade internacional criada para gerenciar os aspectos legais e comerciais da internet. A Amazon, que existe desde 1996 e sempre se promoveu com seu endereço online (amazon.com), quer agora os direitos sobre esse domínio para poder impedir eventuais espertinhos – que existem no mundo inteiro – de explorar sua marca. A solicitação faz parte de uma lista, aberta na ICANN em janeiro do ano passado, em que empresas de vários países tentam se proteger contra falcatruas online (foram 1.930 pedidos, ao todo).

Cheios de preocupação quanto à ameaçada soberania do país, os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado, fizeram até uma audiência pública para discutir o assunto. O caso está sendo estudado pela OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), que segundo o Itamaraty já tentou, em vão, acordo com a Amazon; esse órgão reúne oito países ligados de alguma forma à Amazônia. No último dia 19, os senadores começaram a recolher assinaturas de apoio (quem quiser aderir pode entrar em nossaamazonia.org.br). Um de seus argumentos é o de que, como a ICANN é sediada na Califórnia, tende a defender os interesses de empresas americanas; essa é uma discussão antiga: como se sabe, a internet nasceu nos EUA e a maioria das empresas que a exploram comercialmente, assim como as entidades de regulação das atividades online, têm origem no país.

O que não impede os parlamentares daqui de construir e divulgar mitos para sustentar seus interesses. Uma das mais ativas contra a empresa americana é a senadora Ana Amelia (PP-RS). Ela chegou a lembrar nomes de produtos brasileiros que acabaram sendo registrados em outros países, como o cupuaçu. Transcrevo aqui literalmente sua frase: “A palavra (Amazon) engloba todo um bioma, contendo flora, fauna, produção extrativa, conhecimentos tradicionais, cultura, enfim, uma complexidade de componentes, muitos dos quais utilizam a palavra ‘Amazônia’ em sua denominação e cuja utilização poderia vir a ser ameaçada caso se propicie a pretendida proteção”.

É com esse tipo de argumento que se legisla no Brasil. Não se vê os senadores tomarem alguma providência, por exemplo, contra o desmatamento criminoso ou as doenças (algumas surgidas no século 18) que atacam as populações pobres da Amazônia. Talvez eles estejam querendo ter uma conversinha em particular com os executivos da Amazon. Daí a gritaria em torno de um nacionalismo de fachada, bem típico da classe política brasileira.

Bem, para quem quiser entrar nessa discussão, por mais bizantina que pareça, passo aqui os links para dois interessantes artigos, ambos publicados na Folha de São Paulo:

A geografia da internet

O dono do nome

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