Há pelo menos quatro anos vivemos no Brasil sob intenso massacre noticioso. Somando-se ao turbilhão das notícias internacionais, que a cada minuto pipocam em nossas telas, a crise brasileira não dá sossego. Olhando com viés otimista, é um ótimo sinal de que a democracia institucional, oficialmente instaurada com a Constituição de 1988, está firme e forte. Nunca tantos brasileiros se informaram tanto sobre política e economia, temas que ganharam até as mesas de boteco, frequentemente deixando o futebol em segundo plano. Pode-se mesmo apostar que, hoje, é possível saber tudo (vá lá, quase tudo…) o que está acontecendo de relevante no país, bastando alguns cliques.
Será mesmo? OK, a fragmentação das mídias significa que, a princípio, ninguém mais é “dono” da informação. Acusa-se a grande imprensa (Globo, Folha, Estadão, Editora Abril) de manipular as notícias que chegavam ao distinto público, em sinistra cooperação com os governos e “as elites”. Mas tal afirmação atualmente não resiste a qualquer análise séria: por mais que tentasse, a mídia não possui mais o poder de influência que detinha, por exemplo, no período pós-ditadura. Hoje, todo mundo produz notícia o tempo todo. Nesse aspecto, é ilustrativo observar a queda nas receitas de quase todos os grupos de comunicação.
Uma crise como a desta semana é oportunidade para observar como se dá na prática essa transição – da informação regulada por uma mídia influente ao crescente poder das redes sociais. Aturdidos, jornais e revistas (e seus respectivos sites e blogs) limitam-se a reverberar os sons que vêm dos centros de poder, notadamente governo, partidos políticos e órgãos de investigação. Não existe mais apuração; trabalha-se com notas oficiais, discursos, relatórios, sentenças, depoimentos oficiais, tudo registrado em texto, áudio e vídeo. E tudo monotonamente igual, em todos os veículos.
“A polícia revelou”, “o ministro comentou”, “o presidente se reuniu”… O que antes era uma obsessão de todo jornalista, o “furo”, parece ter sido esmagado pelo denuncismo e pela preguiça de pensar. Mais vale uma nota oficial na mão do que uma investigação detalhada, que exige esforço e empenho. O último ‘grande furo’ – este do caso JBS – não passou da transcrição de uma gravação (suspeita) liberada pelo STF! E, quando se busca o furo a qualquer custo, como no caso do jornalista Ricardo Noblat, o risco é cair de barriga nas colunas de humor.
Tem sido assim com frequência maior do que seria de esperar. Repórteres e colunistas (aí incluídos os comentaristas de TV), e portanto os veículos que representam, acabam atuando mais como porta-vozes de alguém que quer vazar alguma informação. Costuma ficar claro quem é o alvo do vazamento, às vezes de forma contundente, mas nem sempre ficam claras as motivações de quem vazou. Cabe ao leitor a tarefa de descobrir por sua conta.
Por que, afinal, o empresário influente decidiu delatar? Que vantagens exatamente irá auferir da delação? Por que a Justiça divulga certas gravações autorizadas e mantém outras em sigilo? Por que alguns processos demoram tanto, enquanto outros correm céleres? Como um(a) presidente(a) da República aceita conversar com alguém que é alvo de diversos processos? Aliás, como um presidente ou governador nomeia para cargos relevantes pessoas igualmente suspeitas e/ou sob inquérito? Como a Justiça Eleitoral aprova as contas dos partidos? O que há por trás dos discursos oficiais?
Raramente as respostas aparecem na cobertura. É uma espécie de avesso de Spotlight, o grande filme sobre a equipe do jornal Boston Globe que desvendou um tenebroso escândalo de pedofilia na cidade. Ali, colocavam-se em dúvida todas as informações oficiais. Prelados, empresários, membros do governo, policiais, todos são averiguados. No Brasil, infelizmente, procedimentos de checagem, se é que existem, ainda são frágeis e pouco transparentes. O que impera é a chamada “imprensa oficialista”, como cunhou certa vez o jornalista Caco Barcellos.
Enfim, todos saem perdendo, especialmente a sociedade, que precisa da mídia ágil, solerte e a salvo dos poderosos, estejam eles onde estiverem.