Diamantes, esmeraldas, moluscos, bulbo de cebola, cristais, porcelanas, pós-larva de camarão… não, o leitor não caiu por acaso num blog errado. A lista é apenas parte de outra, muito maior, publicada no site da Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo, com itens isentos de ICMS. O link foi divulgado pelo economista Marcos Lisboa em sua coluna deste domingo na Folha de São Paulo. Tive a curiosidade de checar. São dezenas de produtos, serviços e até coisas indefiníveis, como esta: “Operações internas com maçã e pera”. Se você não sabia, agora já sabe que essas duas frutas têm o privilégio de constarem numa lista produzida pelo Estado brasileiro.

Como lembra Lisboa em seu artigo, é um caso exemplar de como são concedidos benefícios fiscais no Brasil – suspeito que outros órgãos estaduais, federais e municipais produzam listas semelhantes, ou até piores. Se alguém for procurar critérios técnicos, perderá seu tempo. Tudo parece ter sido agregado ao rol de benesses na base do grito, em “um Estado capturado por pequenos interesses”, como escreve o economista, que acrescenta: “A conta dos gastos públicos, porém, acaba sendo paga por todos, ainda que de forma dissimulada e disfuncional”.

Entre isenções e deduções, a maioria concedidas não em função de políticas públicas mas de arranjos, lobbies e tráfico de influência, preserva-se um Estado podre, que passa ao largo das reais necessidades da população. Para quem não consegue abrir o link, transcrevo abaixo o artigo:

“O catálogo de benefícios tributários parece interminável. Recentemente, um deputado federal propôs isentar de IPI os carros comprados por corretores de imóveis. Não deveria surpreender. Táxis não pagam IPI. Caminhões também não.
“O programa Repetro permite ao setor de petróleo importar máquinas sem pagar tributos federais. O Recine estabelece que sejam desonerados equipamentos para salas de cinema.
A legislação prevê uma alíquota menor para as incorporadoras do Minha Casa, Minha Vida. A indústria na Zona Franca de Manaus se beneficia da redução de IPI, além de outros privilégios tributários.
“Doações para a produção cultural (Lei Rouanet), atividades cinematográficas (Lei do Audiovisual) e programas esportivos (Lei de Incentivo ao Esporte) são deduzíveis do Imposto de Renda.
“Livros não pagam tributos. O mesmo ocorre com o papel utilizado para a impressão de jornais. Discute-se prorrogar a desoneração da folha de pagamentos, que beneficia 17 setores.
“​Lideranças do agronegócio defendem que o imposto sobre valor adicionado não seja cobrado do produtor rural estabelecido como pessoa física (modelo adotado até por grandes fazendeiros para pagar menos tributos). Pedem, porém, que os compradores dos seus produtos possam se beneficiar de crédito tributário. Demandam, ainda, que os insumos utilizados pelo setor tenham alíquota zero.
“As instituições filantrópicas são isentas da contribuição da folha de pagamentos, que financia a Previdência. Seus trabalhadores, no entanto, têm direito à aposentadoria, em grande medida paga com os tributos arrecadados dos demais.
“O estado de São Paulo reduz o ICMS para muitos bens e serviços. O anexo I do RICMS sistematiza as isenções em 173 artigos (um deles trata do bulbo de cebola e outro, de preservativos). O anexo II sumariza os itens com redução da base de cálculo do imposto em 76 artigos. Vale ler esses anexos inacreditáveis, cujos links estão nesta coluna.
“O estado também permite deduzir do imposto a pagar doações ao Programa de Ação Cultural e a atividades esportivas. A prefeitura paulistana possui leis semelhantes.
“Essa é apenas uma amostra das distorções atuais, resultado de um Estado capturado por pequenos interesses. A conta dos gastos públicos, porém, acaba sendo paga por todos, ainda que de forma dissimulada e disfuncional. Nosso subdesenvolvimento parece obra de meticuloso desvario”.

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