Ninguém que ouça Take Five, a mais famosa gravação do Dave Brubeck Quartet, e tenha um mínimo de sensibilidade, consegue sair ileso. Milhões de ouvintes mundo afora podem atestar que essa foi a canção que lhes “abriu os ouvidos” para o poder de envolvimento da música instrumental. E mesmo quem não conheça nada da história do jazz há de reconhecer que há algo diferente naqueles compassos.

Em 2019, comemoraram-se 60 anos do lançamento de Time Out, álbum de 1959 que contém Take Five e outras seis pérolas do quarteto. E agora este 6 de dezembro marca os 100 anos do nascimento de Dave Brubeck, um dos grandes revolucionários da música no século 20. Brubeck, que faleceu em 2012, um dia antes de completar 92 anos, deixou vários legados – inclusive três filhos músicos que hoje cuidam exemplarmente de sua vasta obra.

Agora mesmo acaba de ser lançado o álbum Time Outakes, com gravações inéditas extraídas dos ensaios do disco que, durante anos, permaneceu como o mais vendido da História do jazz (o novo álbum pode ser ouvido aqui).

Time Out é um disco tão bom que praticamente todas as suas faixas se tornaram standards do jazz, gravadas e regravadas centenas de vezes por outros artistas (ouça o álbum inteiro). A primeira delas, Blue Rondo a la Turk, é considerada uma das grandes inovações não só do jazz, mas de qualquer gênero, pela criatividade das linhas melódicas e dos tempos alternados, características que o autor atribuiu à influência de Mozart.

Filho de uma pianista fã de música erudita, o menino Dave teve aulas de piano a partir dos 4 anos e já tocava como adulto aos 13. Aos 22, liderava um octeto na faculdade (pretendia ser veterinário) quando foi tomar aulas com o célebre compositor erudito de vanguarda francês Darius Milhaud, que vivia na Califórnia. Começou então a experimentar com variações de tempos e ritmos, buscando alternativas à música da moda – o swing das big bands. 

Milhaud era fã de jazz, e com ele Brubeck despertou para a universalidade da música instrumental, estudando as influências afro no jazz, no blues, e as enormes possibilidades da mistura entre erudito e popular. Entre todos os grandes inovadores do jazz, Brubeck talvez tenha sido quem mais explorou essa miscigenação. Mais incrível é que conseguiu tudo isso sem saber ler música, prática que ele rejeitava, talvez por possuir o chamado “ouvido absoluto”, além de memória prodigiosa para melodias e harmonias, e extraordinária velocidade nas duas mãos.

Uma curiosidade pouco divulgada é que Brubeck, famoso pelos seus acordes em bloco com as duas mãos, desenvolveu esse estilo devido a um acidente. Numa queda surfando no Havaí, teve prejudicadas várias vértebras do pescoço, com reflexos nos movimentos das mãos. Isso o obrigou a mudar os toques no teclado, com resultados que faziam vibrar as plateias de seus shows.

Fato é que nos anos 1950 Dave Brubeck se tornou um dos artistas mais populares dos EUA, merecendo até capa na revista Time (foi o primeiro jazzista a atingir tal proeza, fato que não deixou de provocar ciumeira entre colegas). Era 1954 e o Dave Brubeck Quartet já se transformara em estrela, destacando o sax-alto Paul Desmond, autor da melodia básica de Take Five

Em plena era de surgimento do rock, os dois levaram o jazz às universidades, lotando os concertos por vários anos e formando uma nova geração de ouvintes. Em 1958, surgiu a formação clássica do quarteto, com Joe Morello à bateria e Eugene Wright ao contrabaixo, que durou até 1967. Naquele mesmo ano, em plena Guerra Fria, Brubeck recebeu convite do Departamento de Estado para ser “embaixador musical”, viajando pelo mundo com o grupo a mostrar o jazz como produto americano.

As viagens renderam vários álbuns de sucesso comercial, mas principalmente deram a Brubeck uma nova visão sobre os caminhos da música. Passando por países como Polônia, Turquia, Índia e Irã, ele voltou entusiasmado. Em 1967, decidiu dissolver o quarteto (este um dos últimos shows do grupo) e dedicar-se mais à composição e às experiências musicais.

Criou dezenas de peças eruditas e religiosas, chegando a musicar um texto do pastor Martin Luther King intitulado Gates of Justice, e viu-se também com liberdade para gravar e se apresentar com artistas de vários estilos. Tem registrados em seu nome mais de 1.200 fonogramas e aproximadamente 700 composições (vejam aqui), incluindo peças para orquestra, balés, concertos solo para piano, trilhas de filmes e séries de TV.

Marcando o centenário de Dave Brubeck, inúmeros eventos foram programados não apenas nos EUA, mas em várias partes do mundo. Infelizmente, devido à pandemia, vários tiveram de ser cancelados ou reagendados para 2021. Veja aqui um roteiro divulgado por seus filhos

Abaixo, uma seleção pessoal de seus álbuns mais importantes:

Jazz at Oberlin, 1953, Universal

Jazz Goes to College, 1954, Sony/BMG

Brubeck Time, 1955, Columbia

Dave Brubeck and Jay & Kai at Newport, 1956, SME

Dave Digs Disney, 1957, Columbia

Time Out, 1959, Columbia

Time Further Out, 1961, Columbia

The Real Ambassadors, 1962, Columbia (com Louis Armstrong, Carmen McRae etc.)

The Dave Brubeck Quartet at Carnegie Hall, 1963, Columbia

The Duets – Brubeck & Desmond, 1975, Verve

We’re All Together Again (For the First Time), 1972, Rhino (com Desmond e Gerry Mulligan)

Young Lions & Old Tigers, 1995, Telarc

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