Se fossem tempos normais, nesta semana estariam acontecendo dezenas de eventos em homenagem a Astor Piazzolla, que muitos (mal informados) conhecem como o “rei do tango”, alcunha que ele detestava. Com a pandemia, as homenagens são apenas virtuais, o que, de toda forma, não lhe reduz os significados.

Se o tango é a expressão musical típica da Argentina, Piazzolla foi muito mais do que isso. Modernizou o gênero com seus conhecimentos de jazz e música erudita, e principalmente com seus ouvidos atentos a sons que lhe vinham de várias partes – inclusive aqui do Brasil, país que, para ele, produzia a música mais rica, alegre e variada do mundo. E se tornou um ícone do século 20, ouvido e admirado até hoje, quase 30 anos após sua morte.

Neste 11 de março, os bons ouvidos comemoram o centenário de nascimento de Piazzolla (1921-1992), compositor e instrumentista nascido em Mar del Plata que só perde em importância, na América Latina, para Tom Jobim. Poderia ter sido diferente se o jovem Astor, aos 14 anos e já um virtuose do bandoneon, tivesse aceitado o convite para tocar com ninguém menos do que Carlos Gardel, o maior cantor de seu país, que faria uma turnê pela América Latina. A turnê foi tragicamente interrompida em 24 de junho de 1935, quando o avião que levava Gardel e seus músicos caiu na Colômbia.

Astor preferiu ficar em Buenos Aires tocando e depois fazendo arranjos para orquestras de dança. Mas os períodos que passou na Europa estudando reforçaram nele a ideia de reinventar o gênero. Reinventou e se consagrou mundialmente, mas não sem conquistar inimigos por toda a Argentina, tradicionalistas que não admitiam a mistura do tango com o erudito (mesmo sendo de Bach e Bártok, que Piazzolla adorava), muito menos com o jazz (ainda que suas referências fossem Duke Ellington e George Gershwin).

 

 

Entre os anos 1960 e 1980, Piazzolla era um dos músicos mais requisitados do planeta, encantando as plateias com seus grupos de câmera, especialmente o Octeto Buenos Aires, que formou em 1959, ou inserindo seu bandoneon até em sinfônicas. Sua discografia é extensa (vejam aqui), e com o revival do vinil várias de suas obras-primas vêm sendo relançadas.

Piazzolla foi talvez o músico mais bem sucedido em ensinar que erudito e popular podem, sim, andar juntos – e, em muitos casos, ficam até melhor assim. Curiosamente, neste seu centenário, coube a um jornalista brasileiro presentear os fãs com uma homenagem que não tem preço: uma entrevista exclusiva com o músico, realizada no Rio de Janeiro em 1972.

Wilson Moherdaui, hoje editor de várias publicações ligadas à tecnologia, era então um jovem repórter e conseguiu a façanha ao encontrar o compositor argentino num show de Milton Nascimento. A entrevista saiu então na revista O Bondinho, fechada pela ditadura militar, e que, em protesto, decidiu publicá-la em espanhol. Para o centenário, Moherdaui concordou em republicá-la, agora traduzida, prestando assim não apenas um tributo ao grande artista, mas um serviço à cultura mundial.

A entrevista, publicada na plataforma Jornalistas&Cia (leiam aqui), mostra como Piazzolla adorava o Brasil e os músicos brasileiros e como construiu sua carreira revolucionando, praticamente sozinho, a música de seu país.

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