“Todos têm direito a dar opinião. Agora, ser levado a sério é outra coisa”.
A blague do ex-vice-presidente americano Hubert Humphrey (1911-1978), derrotado na eleição presidencial de 1968 por um certo Richard Nixon, referia-se à campanha difamatória montada pelo Partido Republicano tentando desmoralizá-lo como “frágil” por se opor à invasão do Vietnã. Humphrey sabia que seu adversário mentia descaradamente.
Liberal de formação e convicção, Humphrey tinha no currículo duas grandes vitórias: a aprovação no Senado do Tratado de Suspensão dos Testes Nucleares (1963) e da Lei dos Direitos Civis (1964), que estendeu aos negros o direito de voto e o acesso a escolas de brancos. O homem sabia o que dizia quanto a “ser levado a sério”. Morreu (de câncer) defendendo seus ideais democráticos e condenando toda forma de autoritarismo.
A lembrança de Humphrey me vem sempre à mente ao confrontar o negacionismo. Essa é uma (antiga) corrente de pensamento, surgida nos meios científicos e hoje amplificada na política, na religião, no meio ambiente e até na educação. Na definição de Freud, negacionismo é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável. De fato, diante de pessoas que agem dessa forma, há quem recomende tratamento psicanalítico. Freud explicou bem.
No campo da medicina, vimos com a pandemia como o negacionismo pode ser funesto: 530 mil brasileiros mortos (mais de 4 milhões no mundo), e contando. Muitos dos quais ainda estariam aqui se não tivessem acreditado nas lorotas da “gripezinha”, cloroquina e que tais. Idem para o meio ambiente, quando se nega, por exemplo, o aquecimento global e até a existência de queimadas na Amazônia e no Pantanal, com sinistras consequências. Trata-se da recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificável (o fogo está lá, para quem quiser ver), um ato arrogante e mesquinho que não possui validação de um evento ou experiência histórica.
Negacionismo vem de obscurantismo (do latim obscurans, “escurecimento”), a prática de deliberadamente impedir que os fatos ou os detalhes de algum assunto se tornem conhecidos. E tem a ver com necropolítica, que é quando governantes trabalham pela manutenção de situações de miséria e pela desproteção dos governados. No caso brasileiro, estamos vendo que tudo isso se conecta também com a mais deslavada corrupção, englobando desvio de verbas destinadas à compra e aplicação de vacinas, remédios superfaturados (e muitas vezes nem entregues) e troca de favores gerais.
É o caso de se perguntar aos que defendem a pena de morte: qual seria uma punição justa para quem rouba remédios que salvariam vidas, muitas vidas?
Voltando ao negacionismo, omitir fatos e ações que a sociedade tem o direito de conhecer é parte integrante desse método. Aliás, o atual governo inventou uma jaboticaba chamada orçamento secreto. E o Exército inventou um processo tão sigiloso (o caso do general Pazzuelo) que só poderá ser aberto ao público daqui a 100 anos!
Como ainda há pessoas apoiando o governo, sou levado a crer que não defendem a ditadura (até porque a maioria nunca viveu numa), mas uma espécie de democracia customizada, uma democracia para quem pode pagar, uma democracia de condomínio. Partem da crença de que há vidas que valem mais do que outras.