Certas pessoas parecem ter vindo ao mundo com o estranho dom da obsolescência. Lembro de um antigo colega que se enfurecia a cada novo formato de mídia. Durante anos colecionou fitas VHS com seus filmes de cabeceira, mas se irritou quando descobriu que o DVD lhe permitia substituir todas aquelas velharias. Nova crise quando veio o Blu-ray, com fantásticas imagens em alta definição daqueles mesmos filmes. Achava que os estúdios de cinema só pensavam em “explorar” o pobre fã, obrigando-o a comprar várias vezes os mesmos títulos.

Vejo agora que a espécie continua se multiplicando. Por acaso, vi no CE Pro – site que há anos é a “bíblia” dos profissionais de AV & Automação – comentário sobre um artigo intitulado “Casa Inteligente não vale a pena”, publicado em outro site de tecnologia (Gizmodo). Não encontrei o texto na edição em português do site, por isso tomo a liberdade de reproduzir trechos aqui. Basicamente, o autor que se assina Andrew Liszewski relata suas peripécias tentando fazer funcionar diversos dispositivos smart que comprou para sua casa.

Para Liszewski, que se identifica como “especialista” em tecnologia, a ideia de ter uma empresa “controlando todos os equipamentos da casa” lhe parece assustadora. Mesmo assim, ele se queixa da dificuldade em integrar os mais de 20 itens que possui, de várias marcas diferentes: aspirador de pó, geladeira, ventiladores, aquecedores, purificadores de ar e muitas, muitas lâmpadas smart de led. Estas, da famosa linha Philips Hue, aparentemente foram as que mais o irritaram, a tal ponto que depois de várias tentativas simplesmente desistiu de integrá-las ao seu app de iluminação.

Foi o suficiente para nosso amigo concluir que, “com as atuais limitações tecnológicas, a diversidade de padrões e a quantidade de produtos que se tornam obsoletos em pouco tempo, tentar realizar o sonho da casa inteligente simplesmente não vale a pena”. Mais à frente, ele escreve: “Não existe uma empresa que produza os melhores dispositivos em todas as categorias”. Cabe aqui responder: “Ainda bem”.

O artigo (quem quiser pode ler aqui, em inglês) é tão absurdo que gerou o comentário de Jason Knott, editor do CE Pro. Ele lembrou, com propriedade, que em nenhuma parte do texto há qualquer referência à possibilidade de se contratar um profissional especializado para integrar todos os dispositivos citados. O título (Smart Home Isn’t Worth It) só se aplica, diz Knott, a pessoas que desconhecem essa profissão e não admitem pagar pelo serviço. “É como você querer sozinho consertar os defeitos do seu carro, esquecendo que existem mecânicos”, compara (aqui, o original na íntegra).

Quis trazer aqui essa discussão para mostrar que o mercado de automação, embora esteja evoluindo (inclusive no Brasil), ainda parece longe de atingir massa crítica. Já li e ouvi muitas vezes que produtos smart do tipo plug-and-play e de baixo custo resolvem tudo na casa, o que evidentemente é uma enganação, especialmente para consumidores leigos. Agora, quando um site internacional de tecnologia, publicado em vários idiomas, revela tal desconhecimento, a coisa é realmente preocupante.

Não deixa de ser sintomático que, nos comentários ao artigo do Gizmodo, alguns leitores lembram ao autor que o chamado do-it-yourself nem sempre é o “jeito mais fácil”, e pode ser o mais difícil, de se montar um sistema de automação.

Se o sujeito não consegue nem instalar lâmpadas, realmente não está preparado para o “deixa-que-eu-faço”. Aliás, nem para escrever a respeito.

1 thought on “Será que smart home vale a pena?

  1. As gerações que se sucedem parecem querer as coisas mais a mão, e não é uma crítica isso tem o lado bom e o lado ruim. Bom pra aprender a facilitar o dia a dia, ruim por desconhecer o real funcionamento. São poucos os que sobem uma casa, nem um quartinho anexo ou uma cobertura da garagem as pessoas sobem. Em nosso país acredito que é ainda pior, pelo reflexo que temos da escravidão o serviço, o suor é o que trat como mais barato. O conhecimento vem em segundo plano também, depois do ter, do dinheiro mesmo. Enquanto não valorizarmos o suor, das pessoas que limpam nossas casas, podam nossos jardins, constroem e pintam nossas casas, entregam nossas compras não teremos um olhar razoável para a mão de obra, muito menos especializada, permanecendo um nicho, inalcançável pela maioria.

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